por Iago Vernek e Pedro Vilaça
"Começou em uma brincadeira e um dia acabei colocando uma grana lá.
Aí veio aquela primeira 🍎 ilusão, que você ganha, se empolga, se diverte com os amigos que apostam juntos e depois perde tudo".
Esta experiência de 🍎 uma pessoa iniciante no mercado de apostas foi relatada por Caio Zandelli em entrevista ao podcast O Jogo é Hoje, 🍎 ainda em 2021.
Após "quebrar a banca" [perder toda a carteira de aposta] algumas vezes, Zandelli começou a pesquisar sobre o 🍎 assunto e percebeu um mercado muito amplo.
"Em uma partida de futebol, tem inúmeros tipos de apostas.
Você pode apostar se vai 🍎 sair um lateral, uma falta, um pênalti ou um gol", afirma o convidado.
Atualmente, é impossível acompanhar futebol no Brasil sem 🍎 topar com algum tipo de publicidade, patrocínio ou merchandising destas empresas.
Na blusa dos times, nas diversas placas de publicidade dos 🍎 estádios, nas televisões antes, durante e depois dos jogos e, claro, na internet.
Diante de tantas possibilidades, os números das partidas 🍎 são convertidos em dados e manipulados por algoritmos a partir da dinâmica de cotações (odd) e investimentos.
Presente em diversos tipos 🍎 de jogos de azar, a aposta esportiva ganhou relevância no território nacional, mediada por plataformas digitais estrangeiras.
Em meio às investigações 🍎 da Operação Penalidade Máxima, desencadeada pelo Ministério Público de Goiás (MPGO), onde mais de 50 atletas brasileiros já foram citados, 🍎 crescem entre torcedores, clubes e imprensa a indignação e o temor de paralisação ou cancelamento de partidas e campeonatos.
Para além 🍎 do aliciamento de jogadores por agentes criminosos, há uma certa impunidade das casas de apostas, que constituem uma verdadeira "ditadura 🍎 Bet".
Com a grana em campo e com tantos beneficiados, fica difícil encontrar quem comprará essa briga.
Se este mercado não é 🍎 uma novidade, as fraudes ligadas ao futebol também não são.
Como esquecer o caso "Edílson Pereira de Carvalho" e os esquemas 🍎 da "máfia do apito", como se referiu a mídia aos crimes de manipulação dos resultados de jogos do campeonato brasileiro 🍎 de 2005.
Apesar de absolvido em processo penal julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (SP), em 2009, o árbitro 🍎 foi banido do futebol e as partidas envolvidas foram anuladas e remarcadas.
Longe de ser o único país acometido em escândalos 🍎 do tipo, no ano seguinte, em 2006, um episódio semelhante abrangeu alguns dos principais clubes italianos.
Como punição, a Juventus foi 🍎 rebaixada para a Série B da liga nacional, sendo que a equipe iniciaria a competição com 17 pontos a menos.
Lazio 🍎 e Fiorentina disputaram a Série A com 11 e 19 pontos negativos, respectivamente, enquanto o Milan perdeu oito pontos.
As fraudes 🍎 são antigas, mas as técnicas cada vez mais modernas.
A novidade fica por conta da facilidade das apostas e das estratégias.
São 🍎 tantas, que deixariam qualquer técnico assustado.
Laranjas, contas em nome de terceiros e até robôs fazem parte de um esquema sofisticado 🍎 e eficiente de fraude.
Enquanto ainda estamos falando da necessidade de regulação, apostadores já usam técnicas avançadas para não serem pegos 🍎 e até a inteligência artificial entra na jogada para despistar apostas suspeitas.
Legislação nacional, modelos de negócio e lucratividade das bets
No 🍎 Brasil, os jogos de azar foram proibidos por força do decreto-lei 9.
215, de 1946, e se mantiveram assim até o 🍎 fim de 2018, quando a Lei n.º 13.
756, promulgada por Michel Temer, permitiu a realização da modalidade lotérica em apostas 🍎 esportivas de quota fixa.
A normativa previa uma futura legalização das plataformas de apostas, que operam sob taxas flutuantes e estão 🍎 sediadas fora do território nacional.
Justamente por conta da falta de regulamentação específica, há um impedimento para que elas sejam taxadas, 🍎 sendo que a tributação incide apenas sobre as operações financeiras, mediadas por bancos.
Já no governo de Bolsonaro, o jogo correu 🍎 solto e boa parte dos problemas também são frutos da inércia da antiga gestão.
Em um espaço sem regras, sem arrecadação 🍎 de impostos e com muita fraude.
Enquanto nenhum decreto foi assinado nos quatro anos do antigo governo, casos emergiram no provável 🍎 maior escândalo de fraudes do nosso futebol.
O país pentacampeão mais uma vez é falado no mundo, mas dessa vez não 🍎 tem nada a ver com o talento dos jogadores e jogadoras e sim com as denúncias do Ministério Público de 🍎 Goiás e o desmonte de mais um esquema no nosso futebol.
Ameaças de morte, propinas e manipulação de resultados entram na 🍎 jogada e jornais em diversos países repercutiram o caso.
Recentemente, o atual governo federal enviou uma proposta de medida provisória (MP) 🍎 para regulamentação das apostas esportivas.
Com o novo marco legislativo, prevê-se criar limites e sanções, objetivando coibir fraudes, além da taxação 🍎 do lucro das empresas e do prêmio de apostadores, desde que superior a R$ 2.112.
Estas regras serão aplicadas e fiscalizadas 🍎 pelo Ministério da Fazenda, cujo ministro, Fernando Haddad, disse que espera arrecadar de R$ 12 a R$ 15 bilhões com 🍎 o recolhimento de impostos.
Para se ter ideia da ascensão desse mercado, até 2018 não havia sites de apostas estampados nos 🍎 uniformes dos clubes de futebol no Brasil.
Em 2019, a Série A contou com oito patrocínios destas empresas nas camisas de 🍎 treze equipes (de 20 participantes).
Na temporada seguinte, o número de patrocínios subiu para onze e os clubes patrocinados passaram a 🍎 18.
Atualmente, 51 times das 3 divisões do futebol brasileiro (60 participantes) são patrocinados por 23 casas de apostas, abrangendo todos 🍎 os 20 times da Série A.
O investimento total atingiu um montante de R$ 327 milhões apenas no ano de 2023.
Os 🍎 dados acima refletem, por um lado, a alta lucratividade do setor e, por outro, a péssima situação financeira da maior 🍎 parte dos clubes brasileiros.E não para por aí.
As principais competições do futebol nacional e sul-americano (Campeonato Brasileiro, Copa do Brasil, 🍎 Copa Libertadores da América e Copa Sul-Americana) também se incluem no raio de ação das casas de apostas, seja por 🍎 meio de acordos publicitários com veículos de transmissão ou federações esportivas, incluindo os chamados "naming rights" dos campeonatos.
Outro problema identificado 🍎 está relacionado às outras séries e campeonatos menores.
Se mesmo com toda visibilidade que a série A possui e os salários 🍎 altos dos jogadores, atletas, dirigentes e árbitros já se envolveram esquemas de apostas, imagine em jogos onde muitos recebem um 🍎 salário mínimo e a fiscalização é muito mais difícil.
Um desses casos revelados foi o do Barretos, onde seis atletas do 🍎 time se envolveram em uma fraude, perderam a partida intencionalmente e até gol contra fizeram.
O esquema foi montado por um 🍎 apostador do interior paulista e envolvia o site malaio Nova88.
Além da influência nos resultados, esses sites estão ligados à lavagem 🍎 de dinheiro, informação que muita gente desconhece.
Dados do Ministério do Esporte francês, revelaram que 10% do dinheiro do crime organizado 🍎 global é lavado nesses sites.
Como apurou a reportagem "Salário mínimo em campo, milhões em jogo", de Pedro Nakamura.
Além dos torneios 🍎 nacionais e continentais, os estaduais de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grandes do Sul, entre outros, possuem 🍎 patrocínio destas empresas.
E até mesmo o mercado de e-sports foi inundado por casas de apostas.
Na contramão do futebol brasileiro, "os 🍎 clubes da Premier League concordaram coletivamente em retirar o patrocínio de jogos de azar da frente das camisetas dos clubes", 🍎 a partir da temporada 2026/2027.
Das atuais 20 equipes que disputam a elite inglesa, oito ainda possuem financiamento de casas de 🍎 apostas.
Popularização, fábula e perversidade do mercado de apostas
Uma coisa é certa, nós sabemos que independentemente dos times e do jogo, 🍎 as casas de apostas sempre saem ganhando e muitos brasileiros saem perdendo muito dinheiro.
Longe de defender a punição de usuários 🍎 das plataformas e a demonização dos jogos de azar, a situação atual nos permite uma reflexão mais profunda sobre os 🍎 seus riscos para o futebol brasileiro.
Para além do aliciamento de jogadores e árbitros, bem como das fraudes e dos esquemas 🍎 de corrupção, a popularização do mercado de apostas carrega sérios danos à população, em um cenário de datificação da vida 🍎 social.
Do "golpe do pix" à "máfia do apito", da manipulação dos jogos ao aliciamento de atletas, a possibilidade de ganhar 🍎 "dinheiro fácil", repetida continuamente em infinitos anúncios e comerciais, causam um grande estrago no esporte e na vida da sociedade 🍎 em geral.
Traçando um paralelo com o pensamento de um importante intelectual brasileiro, Milton Santos, ao discorrer sobre o capitalismo financeiro, 🍎 diz que "entre os fatores constitutivos da globalização, em seu caráter perverso atual, encontram-se como a informação é oferecida à 🍎 humanidade e a emergência do dinheiro em estado puro como motor da vida econômica e social".
O autor afirma ainda que, 🍎 apesar de a comunicação ser essencial e imprescindível, "o que é transmitido à maioria da humanidade é, de fato, uma 🍎 informação manipulada que, em lugar de esclarecer, confunde".
Ao mesmo tempo, o lucro das grandes empresas e a disputa de interesses 🍎 entre agentes poderosos impedem o avanço da regulamentação de setores econômicos importantes, como é o caso do futebol e das 🍎 plataformas digitais.
Por isso, o Intervozes, junto a diversas organizações da sociedade civil, lutou pela aprovação do Marco Civil da Internet 🍎 e da Lei Geral de Proteção de Dados, assim como vem lutando pelo Projeto de Lei 2630/20, conhecido como "PL 🍎 das Fake News".
Frente à voracidade das big techs, da mídia e do mercado financeiro, a busca se dá por uma 🍎 legislação justa e democrática, fundamental ao pleno exercício da cidadania e dos direitos humanos.
O futuro do futebol brasileiro ameaçado
Muita coisa 🍎 está em jogo e o próprio futuro do futebol é incerto.
Com as crescentes manipulações reveladas, torcedores, jogadores e dirigentes temem 🍎 que campeonatos sejam interrompidos pela justiça e a credibilidade cada vez mais ameaçada do nosso futebol seja destruída de uma 🍎 vez.
O fato é que a cada lance estranho, cada cartão, expulsão, falha de atleta, cada erro de arbitragem têm deixado 🍎 muita gente desconfiada e com uma pulga atrás da orelha.
O mesmo mercado que fatura trilhões por ano em todo mundo 🍎 pode causar um prejuízo imensurável e irreversível ao nosso futebol.
Resta saber se as ações da justiça no Brasil, se a 🍎 ação do governo e outras medidas propostas vão trazer mais transparência às partidas ou se o dinheiro imediato falará mais 🍎 alto e esse já é um jogo perdido.
Racismo e Vini Jr.
Qualquer conteúdo que venha falar de futebol agora, precisa falar 🍎 dos absurdos atos racistas, inacreditavelmente normalizados na Espanha, que ganharam destaques nestes últimos dias em todo mundo e que deixaram 🍎 expostas a inércia, a conivência de dirigentes, clubes, atletas e autoridades.
As lágrimas de Vinicius Jr.
representam a dor que causa tanta 🍎 violência, que acontece na sociedade e se reflete no campo, onde as pessoas ainda se sentem à vontade para destilar 🍎 tanta ignorância e preconceito.
O mesmo racismo que causou tanta dor em Vini, exclui, humilha e mata ao redor do mundo, 🍎 inclusive no Brasil.
Também precisamos, apesar de tudo, enxergar a coragem de um jogador de 22 anos que teve força para 🍎 lutar, denunciar e apontar os racistas.
O talento de Vini nos impressiona e a casa de apostas do falcao coragem também.
É fundamental que ele entenda 🍎 que não está só! Fiquemos atentos aos próximos atos dessas histórias.
Iago Vernek é professor da rede pública e membro do 🍎 Conselho Diretor do Intervozes.
Pedro Vilaça é redator publicitário e da coordenação executiva do Intervozes