1Simoni Lahud Guedes faleceu no dia 18 de julho de 2019.
Não, porém, sem deixar uma contribuição decisiva para a compreensão ❤️ do ilegível cenário político do Brasil contemporâneo.
Um dos atributos impressionantes da autora refere-se à coexistência da mais penetrante capacidade de ❤️ formulação teórica e análise, de um lado, com humildade acadêmica, de outro.
Sua elaboração conceitual da "função metonímica" do futebol brasileiro ❤️ combina perspicácia interpretativa com moderada enunciação das implicações abrangentes do conceito.
A partir da descrição dos processos de identificação social, reunidos ❤️ sob os símbolos nacionais, em geral, e a camisa futebolística, em particular, a antropóloga formula uma equação sintética.
A saber, seleção ❤️ de futebol = povo brasileiro.
2Como esperamos demonstrar, a esta caracterização particular do futebol brasileiro subjaz uma homologia estrutural entre esporte ❤️ e vida social – em suas respectivas condições de parte e de todo –, na qual o primeiro oferece uma ❤️ simplificação, no sentido matemático, da segunda.
No esporte, a unidade complementar e contraditória entre reciprocidade (a produção de coletivos coesos por ❤️ meio do circuito dar-receber-retribuir) e segmentaridade (a fusão e a fissão de segmentos sociais conforme a escala de referência) é ❤️ esquematizada sob a forma menos complexa da cooperação e da competição.
Lévi-Strauss (1958) assinala a impressionante regularidade estrutural do princípio da ❤️ reciprocidade; Deleuze e Guattari (1980) sugerem que a segmentaridade constitui fenômeno universal.
A força da representação metonímica do esporte reside na ❤️ esquematização desta estrutura regular da vida social.
3Quando Simoni Lahud Guedes nos apresenta dois sequestros históricos da camisa verde e amarela ❤️ – o primeiro perpetrado pela ditadura civil-militar que se instalou no país, em 1964, o segundo, a partir das chamadas ❤️ jornadas de junho de 2013 – está no fundo descrevendo uma dupla mutilação antropológica de amplas proporções.
Ao determinar padrões rigorosos ❤️ de uso dos símbolos nacionais, com proibições de emprego da bandeira e do hino fora das diretrizes estabelecidas em lei, ❤️ o governo militar pretendia impor um modo de dominação total sobre o comportamento social.
Ignorava com isso características culturais do país, ❤️ como a carnavalização do futebol e dos próprios símbolos nacionais.
4Por seu turno, quando os segmentos conservadores das jornadas de junho ❤️ de 2013 sequestraram novamente as cores verde e amarela, fazendo delas um símbolo particular de casa de aposta dando bônus sem depósito facção política, quebraram a ❤️ equação metonímica, seleção = povo.
Desde então, a estratégia conservadora tem consistido na manutenção de casa de aposta dando bônus sem depósito coesão interna mediante a produção ❤️ continuada de um inimigo externo permanente, o comunismo.
Ao verde e amarelo opõem, pois, o vermelho, sob o qual identificam seus ❤️ inimigos políticos.
Uma metonímia primordial é, por conseguinte, segmentada em duas.
Verdadeiros brasileiros = verde e amarelo; comunistas = vermelho.
Trata-se da aposta ❤️ no êxito pela perpetuação do ódio.
O primeiro sequestro, recordemos "O 18 de brumário de Luís Bonaparte" (Marx 2011), se manifesta ❤️ como tragédia; o segundo, como farsa.1 Cf.
Cadernos de Aletheia 3, 2019.
Disponível em: http://www.memoria.fahce.unlp.edu.ar/ art_revistas (...
) 5Este artigo traz duas seções, ❤️ além desta introdução e das considerações finais.
A próxima apresenta os principais argumentos do derradeiro artigo de Guedes, redigido em cooperação ❤️ com Edson Márcio Almeida da Silva, sob o título "O segundo sequestro do verde e amarelo: futebol, política e símbolos ❤️ nacionais" .
A seção subsequente comenta uma fração das contribuições mais recentes da autora no campo do estudo antropológico do esporte, ❤️ buscando alguns elementos intertextuais em suas influências teóricas para com isso esboçar, por assim dizer, uma interpretação esportiva da política.
A ❤️ proposta que se segue recapitula, pois, o profícuo pensamento por metonímia que a antropóloga da UFF nos legou (voltaremos a ❤️ este ponto); principiando por um seu escrito particular, transita na direção do conjunto mais abrangente de questões e debates em ❤️ que se situou seu trabalho acadêmico.
6Este percurso deverá demonstrar que Simoni Lahud Guedes fez de casa de aposta dando bônus sem depósito Antropologia do esporte um ❤️ capítulo incontornável da Antropologia da política.
De modo que casa de aposta dando bônus sem depósito formulação de uma função metonímica do futebol brasileiro é ela mesma ❤️ uma metonímia da relação entre a vida social, em casa de aposta dando bônus sem depósito miríade de dimensões, e uma parte específica dela – a ❤️ saber, o esporte.
As considerações finais destacam o caráter estrutural da Antropologia histórica de Guedes.
7Lévi-Strauss (2003) diz acerca de Mauss que ❤️ este teria estacionado diante das imensas possibilidades de casa de aposta dando bônus sem depósito obra, como Moisés teria conduzido o povo hebreu à terra prometida ❤️ sem, contudo, contemplar seu esplendor.
O fechamento da obra de Simoni sugere que ela foi capaz de olhar longe, tendo vislumbrado ❤️ a centralidade da metonímia esportiva para o estudo de um país que "não é para principiantes", conforme a frase atribuída ❤️ a Tom Jobim.
Por conta disso, Guedes assemelha-se antes a Josué que a Moisés; ela não apenas adentrou a terra prometida ❤️ das implicações de casa de aposta dando bônus sem depósito obra como pode, ainda por muitos anos, nos ensinar como ocupá-la.
8Edilson Márcio Almeida da Silva, antropólogo ❤️ colega de Simoni, na Universidade Federal Fluminense, assina com ela o artigo ora apreciado.
O fato de ter sido elaborado a ❤️ quatro mãos denota capacidade cooperativa.
Sobretudo por se tratar de uma coautoria horizontal e simétrica, entre dois antropólogos consagrados e colegas ❤️ de departamento.
9A abrangência das implicações do trabalho para o pensamento antropológico se expressa desde o início.
Por exemplo, no enfrentamento da ❤️ tensão entre Antropologia e História – ou, mais rigorosamente, entre estrutura e evento –, que se pronuncia também de saída.
Destarte, ❤️ os autores registram a invariável tentativa de manipulação dos símbolos nacionais na produção da função metonímica da representação política, de ❤️ que também nos fala Pierre Bourdieu (1984) – o que não diz "respeito a uma época ou regime em particular" ❤️ (Guedes e Silva 2019, 75).
Este processo recorrente tende, no entanto, a "assumir maior visibilidade nos governos ditatoriais" (ibidem, 75).
10É sob ❤️ a ditadura instalada no Brasil, em 1964, que se expressam com mais evidência as ambiguidades deste uso autoritário dos símbolos ❤️ pátrios.
De um lado, os militares alimentam o discurso da propriedade popular das cores verde e amarela, bem como da bandeira ❤️ e do hino nacionais; de outro, engendram uma rigorosa regulamentação que delimita "quando, onde, como e por quê os símbolos ❤️ oficiais deveriam ser acionados" (ibidem, 76).
Se os símbolos pertenciam ao povo, este nem por isso dispunha de liberdade para fazer ❤️ uso deles conforme casa de aposta dando bônus sem depósito vontade.
A este cerceamento do livre usufruto dos símbolos nacionais, durante os anos 1960 e 1970, os ❤️ antropólogos da UFF denominam o "primeiro sequestro do verde e amarelo".
Tal sequestro opera uma mutilação antropológica.
11Guedes e Almeida evocam Hobsbawm ❤️ para sugerir que "os confrontos esportivos internacionais são dos meios mais eficazes para dar 'substância' às nações" (ibidem, 77).
Bateson (2008) ❤️ nos permite emprestar a esta regularidade histórica um estatuto teórico formal, sugerindo que o advento de um adversário externo pode ❤️ evitar a cisão de um grupo social.
Este dado regular nos estudos antropológicos se objetiva historicamente no Brasil, mormente na identificação ❤️ popular com a seleção brasileira de futebol que se converte em um dos termos da equação metonímica com o povo ❤️ brasileiro.
Os autores apontam para a passagem do amadorismo de elite ao profissionalismo (em 1933), que permitiu a entrada de jogadores ❤️ oriundos das classes trabalhadoras nos grandes clubes, como um elemento chave daquela equação.
12Em 1938, o selecionado brasileiro exibiu na França ❤️ "um estilo de jogo descontraído, de dribles, floreios e artimanhas corporais" (ibidem, 78).
Já caracterizada pela presença de jogadores negros, dada ❤️ aquela conquista do profissionalismo, este modo de jogar foi objeto imediato de interpretações contraditórias.
De um lado, não sem uma marca ❤️ profundamente racista, os jogadores foram acusados de irresponsáveis (ibidem, 78); de outro, o estilo se consagrou com o célebre título ❤️ de "futebol-arte".
Nos termos de Guedes e Almeida, a certidão de batismo desta consagração estética foi redigida por ninguém menos que ❤️ Gilberto Freyre, em uma crônica intitulada "football mulato".
O artigo se refere a este texto como "seminal", posto que Freyre teria ❤️ operado com a metonímia futebolística.
Fazendo do "football mulato" um núcleo fundamental do futebol-arte, este teórico da formação nacional estaria sugerindo ❤️ o papel mais abrangente do "negro na produção da brasilidade" (ibidem, 78).
13O artigo nos informa que até o famigerado "Maracanaço" ❤️ – a derrota para o Uruguai na final da Copa do Mundo de 1950, em pleno Maracanã – as cores ❤️ do uniforme do selecionado brasileiro eram branca e azul, quando então foram proscritas como azaradas.
Segue-se que a relação metonímica entre ❤️ seleção e povo precedeu o uso do símbolo verde e amarelo nos campos.
E, no entanto, mais arguta do que seriam ❤️ os militares brasileiros do pós-golpe de 1964, a FIFA parece ter compreendido cedo a lógica descrita por Hobsbawm, investindo fortemente ❤️ no uso dos símbolos nacionais durante seus rituais esportivos.
14No Brasil, contudo, os símbolos nacionais "continuavam cercados de interdições a seus ❤️ usos fora das estritas regras e dos rituais cívicos" (...
) "O 'povo', até aqui, mesmo impondo seu protagonismo nas comemorações ❤️ esportivas, continuava alijado dos símbolos nacionais" (ibidem, 78).
A mutilação simbólica decorrente desta regulação autoritária do uso do verde e amarelo ❤️ concorreu contra os próprios interesses do governo ditatorial, posto que limitou a eficácia simbólica do ritual que consiste na produção ❤️ de metonímias emblemáticas da nação por meio de casa de aposta dando bônus sem depósito bandeira e suas cores.
15O resgate das cores sequestradas foi protagonizado pela ❤️ desobediência civil e contestação espontânea da proibição autoritária, por ocasião da Copa de 1970.
"Camisas improvisadas", "sandálias, cangas, bandanas, guarda-sóis" (ibidem, ❤️ 78) entram em cena com o verde e amarelo e com a bandeira nacional.
É também aqui que se origina a ❤️ tradição das decorações das ruas com motivos nacionais.
16A bandeira nacional, que só podia ser tocada, manuseada ou exposta dentro das ❤️ rígidas regras estabelecidas em decretos, podia agora ser enrolada nos corpos dos torcedores, ornamentar camisas, calças, roupas de banho.
Podia ser ❤️ estilizada, modificada.
Podia ser confeccionada em tamanhos muito diversos, muito pequenas ou muito grandes.
Além disso, a reprodução das camisas do selecionado ❤️ ocupava as ruas tanto nos períodos de competição quanto no tempo do cotidiano.
Nos períodos de Copa do Mundo, as casas, ❤️ ruas e automóveis eram enfeitados de verde e amarelo.
Como símbolo da nação, estas cores representavam fisicamente a "comunidade imaginada" (Hobsbawm, ❤️ 1990) Brasil.
Por um curto período, repetido quadrienalmente, os brasileiros suspendiam casa de aposta dando bônus sem depósito diversidade e suas diferenças, para vivenciar a "communitas" (Turner, ❤️ 1966).
A vitória na competição trazia a realização desta "communitas" (Guedes, 1977), mas não impedia o retorno à normalidade depois de ❤️ alguns dias.
A derrota trazia rapidamente de volta as clivagens da sociedade brasileira, com o consequente abandono do verde e amarelo ❤️ (ibidem, 79).
17Mas se um golpe de Estado precedeu o primeiro sequestro, o segundo inversamente antecedeu novo assalto à democracia.
Uma convergência ❤️ histórica notável abriu espaço ao processo corrosivo que submeteria as instituições brasileiras a dura prova, ainda não encerrada.
As chamadas jornadas ❤️ de junho de 2013 compreendem um marco temporal importante das transformações operadas, posto que bateram recordes históricos de mobilizações de ❤️ rua, em quase todas as grandes e médias cidades do país.
18Como se sabe, as passeatas daquele momento foram inauguradas pelo ❤️ Movimento Passe Livre, em protesto contra o aumento das tarifas de transporte público.
Todavia, rapidamente, segmentos os mais diversos da sociedade ❤️ se uniram aos atos, em um processo inesperado de crescimento em literal progressão geométrica – cuja real magnitude não se ❤️ revelava facilmente sequer nas fotografias aéreas.
Guedes e Almeida chamam atenção para as metamorfoses no contorno do movimento, conforme se avolumavam ❤️ os manifestantes das mais variadas condições e classes sociais.
Do transporte público à crítica aos gastos financeiros com a preparação para ❤️ a Copa do Mundo e para as Olimpíadas, bem como à ingerência da FIFA e do Comitê Olímpico Internacional sobre ❤️ a política brasileira – notadamente sobre a questão central da política urbana, conforme nota Ermínio Maricato (2013) ao explicar tais ❤️ mobilizações –, passando pela qualidade da saúde e educação públicas, as reivindicações se multiplicavam.
Em meio à massa indiferenciada, o "ovo ❤️ da serpente" – cuja incubação já dava mostra de pleno curso, desde as eleições presidenciais de 2010 – trincara casa de aposta dando bônus sem depósito ❤️ casca.
E cartazes pedindo o retorno da ditadura puderam brotar, germinados pelo fertilizante da repressão às camisas e bandeiras vermelhas – ❤️ por vezes, mediante espancamento.
De modo complementar, o emprego dos símbolos e cores nacionais durante os atos "acabou por erigi-los à ❤️ condição de únicos ícones legítimos, logo, passíveis de se fazerem presentes naqueles contextos" (Guedes e Almeida, 81).
19Rituais de execução do ❤️ hino nacional por manifestantes vestidos com camisas verde e amarela e agitando a bandeira do Brasil se tornaram recorrentes.
Tais ritos ❤️ públicos desempenharam um papel totalizador e unificador.
Mas nem as cores da bandeira, nem a camisa da seleção brasileira de futebol ❤️ expressavam, desta feita, uma unidade nacional harmoniosa – como pretendia a propaganda em torno da copa de 1970.
Aqui o consenso ❤️ seria produzido mediante exclusão violenta de qualquer um que pudesse ser identificado como "vermelho".
É difícil não lembrar da elite militar ❤️ ressentida da República de Weimar cujos membros denominavam a si mesmos como "os nacionais", operando com isso uma sinédoque excludente ❤️ de todos os demais componentes sociais da Alemanha pré-hitlerista, conforme a descrição de Norbert Elias (1997).
20Enfaticamente crítica ao movimento, em ❤️ princípio, a grande mídia viu nas suas ambiguidades, uma oportunidade para pautar nas ruas a agenda conservadora que cronicamente nutre.
Para ❤️ evitar o risco de cair em contradição, fazem notar Guedes e Almeida, os jornalistas não podiam abandonar seu primeiro discurso, ❤️ mas apenas deslocá-lo.
E da crítica geral aos manifestantes, passaram a expressar a condenação a uma parte – qual seja, os ❤️ segmentos mais combativos, doravante acusados de vandalismo e identificados pelo uso da cor vermelha ou de emblemas de partidos políticos ❤️ de esquerda.
Vale a pena citar as palavras dos autores a este respeito:
Segundo o nosso entendimento, a estratégia de dissociar os ❤️ "pequenos grupos" dos demais participantes das Jornadas de Junho traz consigo elementos que podem contribuir para a interpretação de alguns ❤️ efeitos produzidos a posteriori por tais manifestações, sobretudo, no que tange ao maniqueísmo que então se desenhava e redundaria, mais ❤️ adiante, na radicalização político-ideológica verificada nas eleições presidenciais de 2018 (ibidem, 81).
21O texto evoca ainda a ideia de "rótulo cromático" ❤️ que Turner emprega para caracterizar as relações sociais sob circunstâncias emocionalmente intensas.
No Brasil, lembram os autores, o vermelho operou historicamente ❤️ como uma espécie de sinal de risco à nação brasileira.
Em 1937, a constituição de inspiração fascista promulgada por Vargas se ❤️ contrapunha ao "perigo vermelho".
A repressão autoritária da ditadura civil-militar iniciada em 1964 se justificava, no discurso do governo, pela "caça ❤️ aos vermelhos".
E, uma vez mais na atualidade, a estratégia eleitoral do representante que a elite econômica escolheu para si (e ❤️ que logrou se eleger presidente da República) incluiu a promessa de "banir os 'marginais vermelhos'".
O "segundo sequestro do verde e ❤️ amarelo" consiste, pois, em fazer da metonímia, seleção brasileira = povo brasileiro, um gênero específico.
A saber, uma sinédoque, camisa da ❤️ seleção = verdadeiros brasileiros.
Destes se excluem os vermelhos, que assumem aqui um caráter altamente genérico, passando com o tempo a ❤️ englobar todos aqueles que se opõem ao governo.
22Ocorre que a estratégia conservadora encontra um limite simbólico.
A função metonímica da seleção ❤️ brasileira, conquanto dotada de conteúdo histórico específico, é um caso particular de uma metonímia estrutural.
O esporte constitui uma parte da ❤️ vida social em que operam os mesmos princípios que presidem dinâmicas de variadas escalas registradas alhures – na política, na ❤️ economia, na religião, nas relações de trabalho, de parentesco ou de vicinalidade.
A unidade contraditória e complementar entre competição e cooperação ❤️ compreende, por assim dizer, uma fração matemática simplificada da coexistência regular entre os princípios da segmentaridade e da reciprocidade, vigentes ❤️ naqueles múltiplos domínios.
E como pelo menos desde Foucault (1979) o poder perpassa todos eles, desde Dumont (1985) a hierarquia ordena ❤️ as formas de classificação no interior de cada um deles e, desde a sistematização da Antropologia da política por Palmeira, ❤️ Heredia, Peirano e colaboradores (cf.
Palmeira e Heredia, 1995), cada um deles se relaciona de variadas formas com a esfera do ❤️ poder estatal, é razoável sugerir simplificadamente que a Antropologia do esporte lança luz sobre a Antropologia da política.
23Destarte, a aposta ❤️ na manutenção permanente dos inimigos vermelhos como estratégia de estabilização da base de apoio governista encontra um limite, a um ❤️ só tempo histórico e estrutural.
No plano diacrônico, a competição, ou segmentaridade não se sustenta por muito tempo com o mesmo ❤️ vigor; e vínculos de reciprocidade tendem a reverter cisões, no médio prazo.
Do ponto de vista sincrônico, quanto mais múltiplos os ❤️ segmentos sociais reunidos sob o emblema dos "marginais vermelhos", tanto mais numerosas também tenderão a ser as coalizões entre tais ❤️ segmentos.
Esta dinâmica estrutural, que se atualiza nos casos históricos particulares com regularidade, deverá ficar evidente sobre o pano de fundo ❤️ dos trabalhos mais recentes de Guedes sobre a temática do esporte, lidos no contexto de alguns de seus interlocutores teóricos.
Como ❤️ veremos, embora a antropóloga da UFF não ative de modo enfático o conceito de segmentaridade (ao contrário da reciprocidade, da ❤️ qual faz uso produtivo), tanto o material que apresenta quanto suas influências dumontianas e turnerianas conferem razoabilidade a uma interpretação ❤️ de seu trabalho à luz daquela categoria analítica forjada por Evans-Pritchard.
24A exegese comparada dos últimos trabalhos de Guedes que tomam ❤️ o esporte por objeto permite visualizar a abrangência e o vigor heurístico dos conceitos ativados em seu derradeiro artigo.
Tal procedimento ❤️ nos leva a inferir, por nossa conta, que a operação lógica subjacente à noção de uma relação metonímica entre esporte ❤️ e vida social continua operante, no contexto do segundo sequestro das cores verde e amarela.Vejamos.
25Entre o fim dos anos 1930 ❤️ e o início dos 1990, como vimos, esta relação se expressou na equação seleção brasileira de futebol = povo (situado ❤️ no mesmo campo semântico da expressão "trabalhadores brasileiros").
Esta identificação era metonímica no sentido mais forte do termo.
Porquanto parcela majoritária dos ❤️ jogadores de futebol selecionados para representar a nação provinha das classes trabalhadoras.
26Ocorre que, no final do século XX, o processo ❤️ de mercantilização do futebol ganha escala exponencial, dado o crescimento do capital esportivo estimulado pela globalização dos sistemas de comunicação, ❤️ em especial, da televisão (Guedes 2018).
Neste "crescimento assombroso do mercado esportivo" as "principais mercadorias são os jogadores" (ibidem 2, aqui ❤️ e doravante em livre tradução do espanhol).
O Brasil se converte então em um dos principais países exportadores de craques e, ❤️ já na Copa do Mundo de 1998, faz notar Guedes, nove dos onze titulares do selecionado brasileiro atuam na Europa, ❤️ a maioria desfrutando a nova condição de multimilionários.
27Ora, neste contexto, o segundo sequestro das cores verde e amarela pode ser ❤️ interpretado como uma atualização espontânea da equação metonímica.
De modo que nela o segundo termo – povo brasileiro (trabalhadores) – é ❤️ substituído pelas classes altas e médias.
Não por acaso, à valorização financeira dos jogadores de futebol corresponde um processo de "gentrificação" ❤️ (conceito que evoca a apropriação privada dos bens esportivos pela gentry, a elite inglesa coetânea ao nascimento do esporte moderno) ❤️ dos estádios de futebol e da transmissão televisiva dos jogos em canais fechados, especialmente, para o caso que nos interessa, ❤️ no Brasil (Mascarenhas 2014).
Este esporte, em toda a casa de aposta dando bônus sem depósito cadeia de produção e distribuição, se converte, pois, em mercadoria de ❤️ consumo conspícuo pari passu ao segundo sequestro das cores nacionais presentes na camisa do selecionado brasileiro.
O deslocamento social no uso ❤️ das cores verde e amarela pode, por conseguinte, ser interpretado como uma atualização simbólica do deslocamento econômico na relação entre ❤️ produtores e consumidores; das classes trabalhadoras à média e grande burguesia nacional e internacional.
28Embora não tenha tido tempo de delinear ❤️ estes nexos, Guedes oferece elementos para pensar a robustez das novas formas de identificação de classe com a seleção brasileira.
Na ❤️ Copa do Mundo de 1998, nota a pesquisadora, os narradores e comentaristas das transmissões midiáticas dos jogos classificam atletas como ❤️ europeus ou estrangeiros, distinguindo-os daqueles que atuam em clubes brasileiros – como vimos apenas dois entre os titulares.
"Do ponto de ❤️ vista simbólico", o fenômeno "tem diversas implicações" (Guedes 2018, 3).
Uma delas, poderíamos conjecturar, refere-se ao seu potencial para despertar profundas ❤️ identificações (no sentido psicanalítico de assimilação de atributos de outrem) das classes economicamente dominantes com os "jogadores europeus".
29Entre as classes ❤️ trabalhadoras, ao contrário, o enriquecimento destes atletas é por vezes interpretado com conotações de quebra dos vínculos de fidelidade à ❤️ camisa do selecionado nacional.
Este contexto oferece a Guedes um ponto de partida para interpretar a vasta proliferação de projetos sociais ❤️ esportivos patrocinados por jogadores e ex-jogadores de futebol que atuaram no exterior, à luz da reciprocidade.
Embora a filantropia não constitua ❤️ novidade no âmbito das relações entre classes, argumenta a autora, o dado a ser explicado se refere à regularidade com ❤️ que o doador se doa a si mesmo junto com a doação – o que expressa o rigor de uma ❤️ interpretação a partir da lógica da dádiva.
Em outras palavras, "o extraordinário" reside na "constância" (ibidem, 7) com que o investimento ❤️ do nome pessoal e da imagem do jogador oferece um emblema para o projeto social; fato que contrasta com a ❤️ maior parte das doações de celebridades, que se limitam ao oferecimento de fundos e "apenas eventualmente doam seu tempo e ❤️ seu trabalho em apresentações de beneficência" (ibidem, 8).
30Esta característica dos projetos sociais esportivos lhes confere um estatuto de contradádiva.
Com isso ❤️ visa-se reconstituir os elos quebrados na "fissão social" – expressão empregada por Fortes e Evans-Pritchard (1987) que, no entanto, se ❤️ coaduna à dinâmica analisada por Guedes – não tanto desencadeada pelo enriquecimento do jogador e por casa de aposta dando bônus sem depósito partida do Brasil ❤️ para atuar alhures, senão pela interpretação popular segundo a qual este deslocamento econômico e geográfico implica no declínio do amor ❤️ à camisa verde e amarela.
A doação do jogador realiza-se assim quase invariavelmente em seu local de origem, amiúde territórios habitacionais ❤️ precários, para os quais são sonegados os direitos sociais e os equipamentos públicos urbanos – em especial, para o caso ❤️ que nos interessa, os de esporte e lazer.
É produzida discursivamente em termos de retribuição, que deve levar aos receptores a ❤️ "'doação divina' com que [o atleta] foi agraciado" (Guedes 2018, 8).
A camisa envergada pelo capitão da seleção brasileira campeã da ❤️ Copa do Mundo de 2002, no momento de erguer a taça, oferece exemplo privilegiado destes circuitos de reciprocidade, onde se ❤️ estampava a expressão "100% Jardim Irene".
É difícil escolher melhores palavras para interpretar o evento:
No momento crucial de casa de aposta dando bônus sem depósito carreira, visto ❤️ por bilhões de pessoas, Cafú [lateral direito capitão da seleção brasileira] reafirma que não se esquece de seu lugar de ❤️ origem (Jardim Irene, periferia paulista), onde, seguindo a regra não explicitada da obrigação de dar (retribuir), criou um grande projeto ❤️ social para meninos pobres.
Mais claro que isso, impossível (ibidem, 9).
31O mesmo artigo permite ainda depreender algumas características do diálogo estabelecido ❤️ por Guedes com o trabalho de DaMatta.
A dádiva dos jogadores enriquecidos se situa no quadro de um fenômeno mais geral, ❤️ observado na sociedade brasileira: a propalada "missão civilizadora" das classes dominantes sobre as dominadas.
Este modo de conceber as relações entre ❤️ classes é hierárquico, pessoalizado e não permite a realização da igualdade jurídica entre indivíduos dotados simetricamente do estatuto da cidadania.
Eis ❤️ as características que lançam luz sobre o empenho do nome e da imagem do jogador no projeto social que patrocina ❤️ – pessoalização e hierarquia.
A expressão "sabe com quem está falando?" não opera, pois, apenas na carteirada capaz de suspender a ❤️ lei, senão também na filantropia.
32O uso da expressão "sociedade brasileira" sugere uma aproximação com o holismo de Dumont; autor com ❤️ o qual DaMatta também dialoga.
Guedes soube, entretanto, contornar um risco em que DaMatta (1997) incorre ao tratar do dilema brasileiro.
Para ❤️ este, o Brasil se caracteriza por uma especificidade contraditória, porque adota uma normativa jurídica igualitária e individualista que coexiste com ❤️ relações sociais hierárquicas e pessoalizadas.
33Dumont, todavia, concebe o individualismo como ideologia subordinada hierarquicamente ao holismo (Dumont 1985, 30).
Reativando o conceito ❤️ de segmentaridade elaborado por Evans-Pritchard, algumas vezes descrevendo o processo sociológico de multiplicação de segmentos sociais sob a rubrica da ❤️ cissiparidade (Dumont 1971, 32), o modelo dumontiano concebe a hierarquia como um fenômeno regular das formas segmentares de classificação.
De modo ❤️ que as relações entre segmentos, incluindo os circuitos de reciprocidade que visam restituir elos sociais quebrados, dificilmente se apresentam com ❤️ simetria absoluta; o que não constitui, pois, como sugere DaMatta, uma especificidade brasileira.
De fato, a particularização damattiana da regular subordinação ❤️ hierárquica do individualismo ao holismo foi notada também por Pina Cabral (2007).
34Guedes, de casa de aposta dando bônus sem depósito parte, conquanto pouco evoque formalmente o ❤️ conceito de segmentaridade, oferece farto material para a reflexão sobre os processos substantivos de segmentação.
Com efeito, a antropóloga dedicou um ❤️ artigo (Guedes, 2014) à análise da maneira como símbolos esportivos produtores de coesão social engendram, simultaneamente, distinções entre coletivos humanos.
Invertendo ❤️ uma epígrafe que extrai de Coelho Neto, ela enuncia que "tudo o que nos une também nos separa" (Ibidem, 147, ❤️ aqui e doravante em livre tradução do inglês).
A ideia subjacente à formulação original, transformada na paráfrase da autora, sugeria a ❤️ possibilidade de construção de uma unidade entre as nações latino-americanas, como decorrência da experiência compartilhada da espoliação colonial.
Em diversos países ❤️ das Américas – Brasil, Argentina, Chile, Uruguai – o futebol forneceu símbolos e signos de etnicidade para a elaboração dos ❤️ sentidos da nação.
De um lado, na condição de "significante privilegiado" e "veículo" que conduz "demandas por significação" (Ibidem, 148), o ❤️ futebol não comporta ausência de significados; de outro, os sentidos atribuídos aos "eventos narrativos" (ibidem, 148) produzidos por meio dele ❤️ nunca estão dados a priori, mas são disputados simultaneamente à competição propriamente esportiva.
35Narrativas similares de nacionalidade são, pois, empregadas para ❤️ lançar luz sobre as especificidades nacionais e acentuar as diferenças entre povos vizinhos (Ibidem, 148).
Uma vez mais, Guedes enxerga regularidades ❤️ abrangentes sob a diversidade cultural e histórica.
Certo, ela evoca novamente DaMatta, cuja ênfase sobre as particularidades sugere que, "no Brasil, ❤️ 'apreciações sobre o futebol' são 'classificadas sob a forma de argumentos ou discussões'" (ibidem, 148).
Mas de modo sutil, a antropóloga ❤️ tece seus argumentos em nível mais geral, a partir da referência a Bromberger, para quem as incertezas inerentes ao futebol ❤️ (característica que DaMatta também analisa) oferecem oportunidades para divergências de interpretações.
A narrativa futebolística é, por conseguinte, intrinsecamente conflitiva.
Esta "característica básica" ❤️ do jogo – que, portanto, ultrapassa as especificidades nacionais – concorre para forjar significados cosmológicos, traçando a imagem de "um ❤️ mundo eminentemente disputável" (Ibidem, 148).
De modo que múltiplas dimensões das identidades nacionais são "disputadas, negociadas e construídas" na "proliferação de ❤️ discursos sobre o jogo" (ibidem, 148).
36Em outras palavras, o conflito narrativo referido à competição esportiva é constitutivo da identidade.
Ou, o ❤️ que equivale a dizer o mesmo, o exercício contínuo do empuxo humano à segmentaridade produz a coesão interna dos segmentos ❤️ discretos.
Eis porque Hobsbawm "localiza no esporte um gênero de 'fortificação' do nacionalismo moderno", capaz de "reificar a nação como um ❤️ competidor ou time" (ibidem, 148).
Ora, o chamado princípio da segmentaridade elaborado por Evans-Pritchard (2007) não descreve precisamente a natureza relacional, ❤️ contextual, deslizante e mutável (conforme a escala de observação) da coesão social – do que o sentimento nacional e o ❤️ pertencimento a determinada torcida esportiva constituem dois casos particulares? Não há, paradoxal e complementarmente, no interior das nações e das ❤️ torcidas, conflitos potencialmente cismogenéticos – para evocar o conceito batesoniano – mitigados mediante o confronto com outras nações e torcidas? ❤️ Eis, por exemplo, porque a rivalidade entre Brasil e Argentina no âmbito do futebol é constitutiva de suas respectivas nacionalidades.
37E, ❤️ no entanto, é também no terreno dos sinais diacríticos que estão em disputa que estes países vizinhos se identificam na ❤️ oposição com os ingleses, em particular, e os europeus, em geral.
Os estilos nacionais de jogo são, nos dois casos, construídos ❤️ discursivamente a partir de ênfases sobre corporalidades específicas convertidas em talento.
Do ponto de vista êmico, tanto jogadores de futebol brasileiros ❤️ quanto argentinos forjam suas habilidades técnicas no contexto mais geral das características nacionais, fazendo das primeiras uma expressão incorporada das ❤️ segundas.
Ambos conferem aos futebolistas europeus o estatuto de "outros", incapazes de extrapolar o aspecto mecânico do gesto motor para encarnar ❤️ valores, a um só tempo, estéticos e eficazes ao movimento corporal.
Argentina e Brasil, ao contrário, praticam um futebol artístico e, ❤️ por isso mesmo, competitivamente superior.
Diferente da Europa, entre nós e nossos vizinhos estética e eficácia são indissociáveis.
Entretanto, esta característica compartilhada ❤️ entre os dois países faz deles contendores recíprocos pelo "privilégio da posse natural do talento corporal" (Ibidem, 153).
38A clara compreensão ❤️ que Guedes preserva da unidade contraditória e complementar entre identidades nacionais e distinções internacionais – poder-se-ia dizer empregando o vocabulário ❤️ esportivo, entre cooperação no interior do time nacional e competição com adversários nacionais homólogos – a protege das ilusões compartilhadas ❤️ por muitos analistas contemporâneos, segundo os quais a globalização econômica e o advento de megacorporações transnacionais estariam minimizando o papel ❤️ das nações.
Para a autora, no entanto, o mundo observa hoje apenas uma configuração nova de dinâmicas que atravessam a história ❤️ da humanidade: "a destruição e recomposição de fronteiras simbólicas que unem e separam sociedades" (ibidem, 148).
União e separação se constituem ❤️ reciprocamente; alteridade e identidade são dois aspectos do mesmo processo.
Sem empregar o mesmo vocabulário, Guedes se aproxima assim de Goldman ❤️ (2006, 144):
Em suma, trata-se de reconhecer que – assim como o princípio da reciprocidade significa, em última instância, que dar ❤️ e receber são uma e a mesma coisa – o princípio da segmentaridade significa apenas que oposição e composição formam ❤️ sempre uma totalidade indecomponível.
39Ora, se a reciprocidade é, antes de tudo, uma lógica de produção do vínculo social, portanto, de ❤️ composição; e se esta não se separa de casa de aposta dando bônus sem depósito contrapartida complementar – isto é, a oposição –, então reciprocidade e ❤️ segmentaridade compreendem formas distintas, mas correlacionadas, de olhar os mesmos fenômenos sociais, do que a unidade indissociável entre cooperação e ❤️ competição esportivas exemplifica sumariamente, em casa de aposta dando bônus sem depósito dinâmica estrutural elementar.
Este mesmo princípio é também enunciado em um artigo de 2014, que ❤️ Guedes redige com outro colega, conforme se tem a oportunidade de ler, no excerto abaixo:
É evidente que a produção de ❤️ pertencimento implica também na produção de alteridade, uma vez que, como têm percebido há tempos os cientistas sociais, uma das ❤️ condições fundamentais para a formação de identidades sociais é a produção de um "outro" contrastante e equivalente.
É assim que integrações ❤️ e clivagens latentes no interior da vida social se atualizam nas competições esportivas, as quais, como resultado disso, produzem integração ❤️ e oposição ou conflito (Guedes e Curi, 2014, 163-4, aqui e doravante em livre tradução do inglês).
40Este texto nos oferece ❤️ a oportunidade de retomar uma característica do esporte que o aproxima dos valores fundadores da democracia.
Os autores lembram a célebre ❤️ análise levistraussiana que caracteriza o esporte como evento disjuntivo – o qual se inicia com uma simetria radical entre as ❤️ equipes para produzir distinção entre vencedores e perdedores.
O caráter democrático da competição esportiva que, por definição, impõe a igualdade de ❤️ condições, foi sublinhado por DaMatta (1994).
41No evento analisado por Guedes e Curi, contudo, esta igualdade formal do esporte muito claramente ❤️ subsumia-se às histórias diferenciais das relações entre as duas equipes nacionais com a modalidade em disputa – quais sejam, as ❤️ seleções brasileira e haitiana de futebol.
De modo que a "homologia estrutural" do jogo entre seleções nacionais "quase não resiste ao ❤️ primeiro toque da bola", visto que a "absoluta superioridade do futebol brasileiro ameaça corroer o processo de identificação" (ibidem, 165).
O ❤️ jogo entre Brasil e Haiti ocorreu em Porto Príncipe, em 18 de agosto de 2004, registrando um placar de 6 ❤️ x 0 para a equipe visitante; vantagem que ofendeu os sentimentos nacionalistas dos anfitriões – conforme os brasileiros tiveram oportunidade ❤️ de sentir empaticamente, dez anos depois e na mesma condição de donos da casa, mediante derrota equivalente para a seleção ❤️ alemã.
42Tendo sido organizado sob os auspícios da missão militar brasileira em território haitiano que se estabeleceu no mesmo ano, o ❤️ jogo foi objeto de intensa publicidade que visava associá-lo ao advento de tempos de paz e transformação social.
Esperança que se ❤️ esvaneceu com o final da partida.
Guedes e Curi apreciam um documentário sobre o ocorrido que traz cenas da população haitiana ❤️ nas ruas, depois do encerramento do confronto, sob um clima de "fim de festa" (ibidem, 165).
Tudo se passa, argumentam os ❤️ antropólogos do esporte, como se os rostos das pessoas expressassem não apenas derrota no campo esportivo, senão também no político ❤️ e econômico.
Ao fim e ao cabo, segue a análise cinematográfica, o Haiti não teria sido sequer capaz de ganhar casa de aposta dando bônus sem depósito ❤️ própria soberania, de vez que se encontrava ocupado por "forças de paz" (ibidem, 165).
"O time brasileiro não era o amigo ❤️ que vinha salvar o país, mas o representante de uma força imperial" (ibidem, 166).
Se a publicidade do Conselho de Segurança ❤️ da ONU (líder da missão) pretendia plantar a semente da resignação haitiana em meio ao gramado do campo de futebol, ❤️ as testemunhas locais da semeadura dela fizeram, por assim dizer, uma lente metonímica para interpretar a política internacional que submetia ❤️ ao vivo seu país.
43Tomemos finalmente este modo de pensar por metonímia a partir do esporte para considerar a interlocução de ❤️ Guedes com alguns de seus colegas intelectuais e assim lançar luz adicional sobre os conflitos políticos brasileiros.
Cabe lembrar que, para ❤️ fins de síntese, interpretamos os múltiplos domínios investigados pelos autores ativados por Guedes sob a rubrica da política – em ❤️ consonância com o espírito de estudos antropológicos sobre o fenômeno (Palmeira e Heredia, 1995).
Há poder e hierarquia (embora nem sempre ❤️ dominação) nas variadas esferas da vida social.
E mesmo no terreno institucionalmente político o Estado constitui, conforme Deleuze e Guattari (1980), ❤️ uma unidade molar (dir-se-ia um segmento institucional) cuja configuração do poder decorre de um estado particular das relações moleculares de ❤️ vínculo e segmentação que se distribuem capilarmente pelo contínuo que une a sociedade civil aos âmbitos menos públicos e privados ❤️ da vida vicinal e doméstica.
44Hobsbawm (1990, 170) argumenta que as atividades esportivas preenchem o "espaço entre as esferas privada e ❤️ pública".
No período entre guerras, relata o historiador britânico, jogos esportivos internacionais foram realizados com deliberado objetivo de "integrar os componentes ❤️ nacionais dos Estados multinacionais" (ibidem, 170).
Não é um acaso que precisamente no período de maior tensão e desconfiança entre os ❤️ países europeus, o esporte internacional se organize como mediador ritual das relações internacionais.
Hobsbawm lembra que George Orwell também interpretou as ❤️ partidas internacionais como uma "expressão da luta nacional" e os times nacionais como "expressões fundamentais de suas comunidades imaginadas" (ibidem, ❤️ 170).
45Encontramos aqui uma oportunidade para conferir maior nitidez à contribuição específica de Guedes às teorias sociais, seja na História ou ❤️ na Antropologia.
Pode-se conceber, nos termos de Orwell e Hobsbawm, que o esporte "expressa" a política como que lhe oferecendo um ❤️ idioma, sobretudo por meio de um sistema de metáforas.
Deste ponto de vista, o esporte simboliza a política.
E, no entanto, conquanto ❤️ esta dimensão simbólica e representacional constitua uma face da interpretação antropológica ou historiográfica, o trabalho de Guedes nos desafia a ❤️ enxergar relações metonímicas para além de seu mero estatuto de figura de linguagem.
Trata-se antes de um gênero de análise que ❤️ concebe uma estrutura, por assim dizer, fractal; em que as partes operam com a mesma dinâmica que preside os processos ❤️ sociais de escalas mais abrangentes.
Sob o ponto de vista deste pensamento por metonímia, o confronto esportivo entre as seleções europeias ❤️ não "representa" meramente a amizade e a animosidade entre as nações, mas é o modo mesmo como paz e guerra ❤️ comparecem sob a forma de unidade contraditória, na ritualização das relações internacionais, durante o período entre guerras.
46Consideremos agora, à luz ❤️ do conceito de liminaridade de Turner, um fenômeno registrado por Hobsbawm: a consolidação dos campeonatos esportivos entre as duas guerras ❤️ mundiais.
Inspirados por Turner, podemos interpretar os jogos do período como momentos "dentro e fora do tempo" e das estruturas sociais ❤️ seculares; de modo a dotarem-se de "sacralidade" (Turner 1966, 96, aqui e doravante em livre tradução do inglês).
No período liminar ❤️ entre as guerras, os rituais esportivos produziam em ato o "reconhecimento de um vínculo social generalizado que deixou de existir ❤️ e simultaneamente ainda existe fragmentado em uma multiplicidade de vínculos estruturais".
Turner se refere a vínculos de casta, classe, posição hierárquica ❤️ e a "oposições segmentares das sociedades sem Estado admiradas pelos antropólogos políticos" (Turner 1966, 96).
Mas, na escala aqui considerada, referimo-nos ❤️ às nações – que englobam tanto as seleções esportivas quanto as forças armadas nacionais.
47Como vimos, Guedes interpreta as cores nacionais ❤️ brasileiras, em casa de aposta dando bônus sem depósito oposição política ao "perigo vermelho", à luz da noção turneriana de "rótulo cromático".
Ela nos auxilia também a ❤️ interpretar o fenômeno de que se ocupa o relato de Hobsbawm.
Alemanha, França, Inglaterra, Áustria, Itália, Rússia, apenas para citar as ❤️ principais potências em confronto nas duas guerras mundiais, possuem todas a cor vermelha em suas respectivas bandeiras nacionais.
Ora, destas todas ❤️ apenas a Rússia tem relação histórica com a conotação de "perigo vermelho", no sentido estrito do comunismo – tal qual ❤️ concebido pelos segmentos conservadores da sociedade brasileira.
Como símbolos identitários daquelas nações europeias, o vermelho dota-se de outras significações, associadas à ❤️ luta por valores caros às tradições nacionais inventadas por cada povo, respectivamente.
E, no entanto, todos os casos compartilham a eleição ❤️ do vermelho como significante do sangue derramado em batalha.
Turner reconhece na associação entre o vermelho e a agressividade/fragilidade corporal um ❤️ fenômeno regular da experiência humana.
O vermelho, o branco e o preto oferecem um gênero primordial de classificação da realidade, posto ❤️ que referidos a experiências corporais fundamentais – por exemplo, no sangue, no sêmen e nos excrementos, respectivamente.
48Eis porque, argumenta Turner, ❤️ a classificação triádica do mundo, recorrentemente convertida em oposição diádica – branco x vermelho/preto, em certas circunstâncias, branco/vermelho x preto, ❤️ em outras – com o recurso a tais cores constitui fenômeno regular.
Os sistemas ideológicos que justificam as classificações cromáticas são, ❤️ nos termos de Turner, "derivativos" destas experiências corporais básicas e nelas encontram sólido fundamento inconsciente.
As culturais locais constituem, pois, "acompanhamentos ❤️ emocionais" destas "forças" e "fios da vida" (Turner 1967, 91) que a classificação cromática ternária ou binária organiza.
Tais forças são ❤️ "biologicamente, psicologicamente e logicamente anteriores às classificações sociais por metades, clãs, totens sexuais e todo o resto" (ibidem, 91).
Estas camadas ❤️ inconscientes da vida psíquica conferem legibilidade tanto à "marcha da insensatez" (Tuchman 1985) que culminou nas duas guerras mundiais, quanto ❤️ ao paroxismo da irracionalidade alçado à presidência da república brasileira, em 2018, como decorrência dos processos sociais violentos que Guedes ❤️ nos ajuda a compreender.
Se, por conseguinte, as cores verde e amarela são símbolos nacionais construídos nestes níveis secundários de classificação, ❤️ o inimigo interno tantas vezes evocado pelos discursos públicos conservadores deita raízes, em casa de aposta dando bônus sem depósito condição de "perigo vermelho", em níveis ❤️ profundos da "experiência psicobiológica" (ibidem, 91); o que nos ajuda a entender o caráter literalmente sanguíneo dos conflitos políticos do ❤️ Brasil contemporâneo.
49A obra de Simoni Lahud Guedes oferece uma contribuição decisiva para a compreensão dos processos históricos específicos vinculados aos ❤️ usos do ritual esportivo, no Brasil.
Sua formulação da função metonímica da seleção brasileira de futebol, entretanto, remete a dinâmicas estruturais ❤️ sobre as quais o presente artigo tentou lançar luz.
A exegese intertextual que nos esforçamos por construir sobre um fragmento da ❤️ obra de Guedes, de um lado, e alguns de seus interlocutores teóricos, de outro, poderia ser levada a curso com ❤️ outras escolas antropológicas.
50A unidade complementar e contraditória entre a competição e a cooperação esportivas, como metonímia da vigência regular dos ❤️ princípios da segmentaridade e da reciprocidade nos mais variados domínios da vida social, pode assim ser empregada como conceito heurístico ❤️ para leitura de vasto material antropológico e historiográfico disponível.
Referindo-se à multiplicação de instituições religiosas Louis Dumont (1985, 32) evoca o ❤️ conceito já mencionado de cissiparidade que, na Biologia, se refere à divisão de uma célula para formar duas.
Ao concentrar atenção ❤️ sobre as fronteiras, por vezes bastante fluidas, entre grupos étnicos, Frederick Barth (2000) não descreveu fenômenos distintos daqueles reunidos sob ❤️ a segmentaridade.
Gregory Bateson (2008) chamou de cismogênese, dinâmicas de segmentação, ao passo que Pierre Bourdieu (1979) estudou critérios que subjazem, ❤️ a um só tempo, aos processos de distinção e identificação social.
51Os exemplos poderiam se multiplicar indefinidamente.
O fato de Guedes pouco ❤️ enfatizar o vasto alcance de suas hipóteses teóricas sugere que a existência dessa já saudosa antropóloga brasileira foi marcada não ❤️ apenas por singular brilhantismo, senão também por humildade acadêmica igualmente sui generis.
Entretanto, as implicações estruturais de casa de aposta dando bônus sem depósito obra nos oferecerão ❤️ ainda, durante muito tempo, ensejo para abrangentes programas de pesquisa.