editorial
A Controvérsia dos Agentes Ergogênicos: Estamos Subestimando os Efeitos Naturais da Atividade Física?
Turibio Leite de Barros Neto
Professor Adjunto do Departamento 📈 de
Fisiologia, Coordenador do Centro de
Medicina da Atividade Física e do
Esporte CEMAFE, da Universidade
Federal de São Paulo, Escola Paulista de
Medicina, 📈 São Paulo, SP
O USO DOS CHAMADOS AGENTES ERGOGÊNICOS NO esporte de alto rendimento desencadeou um processo que representa atualmente uma 📈 das grandes preocupações na área das Ciências do Esporte, tanto no que diz respeito ao combate ao doping, como também 📈 no âmbito do uso indiscriminado de drogas e suplementos nutricionais com objetivos puramente estéticos.
A Medicina Esportiva estabelece um conceito para 📈 o termo "agente ergogênico" que abrange todo e qualquer mecanismo, efeito fisiológico, nutricional ou farmacológico que seja capaz de melhorar 📈 a performance nas atividades físicas esportivas, ou mesmo ocupacionais.
Dessa forma, podemos subdividir os agentes ergogênicos em 3 grupos:
a) fisiológicos; b) 📈 nutricionais; c) farmacológicos.
Os agentes ergogênicos fisiológicos incluem todo mecanismo ou adaptação fisiológica de melhorar o desempenho físico.
O próprio treinamento pode 📈 ser visto como um agente ergogênico fisiológico.
A adaptação crônica à altitude, ao promover um aumento de glóbulos vermelhos, atua como 📈 um agente ergogênico fisiológico na medida em que o retorno a baixas altitudes propicia uma melhora do desempenho físico aeróbio 📈 nos primeiros dias subseqüentes ao retorno, enquanto a capacidade de transporte de oxigênio pelo sangue permanecer aumentada.
Os agentes ergogênicos nutricionais 📈 caracterizam-se pela aplicação de estratégias e pelo consumo de nutrientes com grau de eficiência extremamente variável.
Os consumidores de suplementos nutricionais 📈 geralmente utilizam estas substâncias em doses muito acima do recomendável, o que também se constitui em uma preocupação, apesar de 📈 grandes controvérsias quanto aos eventuais problemas à saúde conseqüentes ao abuso.
Para se ter uma idéia do consumo de suplementos por 📈 atletas, um artigo recente (1) relatou que entre 100 atletas noruegueses de vários esportes de nível nacional, 84 usavam algum 📈 tipo de suplemento nutricional.
Muitos atletas usavam vários suplementos nutricionais, a grande maioria dos quais não apresenta qualquer comprovação científica de 📈 efetividade ergogênica.
Usando uma linguagem leiga, parece uma eterna busca do "espinafre do Popeye".
Apesar do uso de suplementos mostrar maior prevalência 📈 em atletas, principalmente atletas de elite, Sobal e Marquart já relatavam em trabalho publicado em 1994 (2) uma incidência de 📈 40% de consumidores de suplementos nutricionais na população não atleta de praticantes de atividades físicas.
Em levantadores de peso, Burke e 📈 Read, em 1993 (3), constataram uma incidência de consumo de 100%.
Do verdadeiro arsenal de suplementos nutricionais que encontramos no mercado, 📈 o único que tem efeito ergogênico comprovado cientificamente é a creatina (4,5), que tem se constituído no recurso interativo com 📈 o treinamento atualmente mais utilizado para aumento de massa muscular.
O seu consumo nos Estados Unidos já havia ultrapassado as 300 📈 toneladas somente em 1997.
Apesar da literatura não relatar efeitos colaterais relacionados ao seu uso, as conseqüências de eventuais superdosagens ou 📈 uso por períodos de tempo extremamente prolongados ainda requer um certo cuidado.
A preocupação nestes casos não está restrita ao consumo 📈 por parte de atletas.
O aumento de massa muscular promovido pela suplementação de creatina constitui-se em um efeito extremamente sedutor para 📈 os que praticam exercícios com objetivos prioritariamente estéticos e que muitas vezes relegam a saúde a um plano secundário.
Os agentes 📈 ergogênicos farmacológicos constituem-se, sem dúvida, no maior problema para a saúde, a ética e a própria legislação esportiva.
O capítulo da 📈 luta contra o doping no esporte tem se constituído no lado mais tenebroso dessa área e nos leva a cada 📈 vez mais questionar, no âmbito do esporte de alto rendimento, a afirmação de que esporte é saúde.
Sem sombra de dúvida, 📈 dentre os agentes ergogênicos farmacológicos os esteróides anabólicos ocupam o lugar principal.
Seu potente efeito anabolizante associado à prática de exercícios 📈 com pesos, acena com a promessa do record para o atleta e do "corpo perfeito" para o "malhador" de academia.
Infelizmente, 📈 cada vez mais o efeito terapêutico dos anabolizantes é desvirtuado a ponto da própria concepção leiga do seu nome ser 📈 associada à um perigo iminente, o que de fato se justifica em decorrência dos abusos cometidos e dos episódios trágicos 📈 freqüentemente relatados.
Chega-se a criar até um certo terrorismo, associando o uso de qualquer suplemento nutricional como o primeiro passo para 📈 o consumo de esteróides anabólicos.
Talvez o maior problema em todo este contexto dos agentes ergogênicos seja o perigo de se 📈 minimizar os efeitos do treinamento físico.
Na medida em que os atletas cada vez mais recorrem ao seu uso, o indivíduo 📈 comum parece ser levado a acreditar que exercício só tem efeito se associado a algum recurso ergogênico.
A eficácia do treinamento 📈 associado a uma dieta balanceada parece cada vez ser mais questionada pela população.
Como um verdadeiro "antídoto" a esta tendência, o 📈 artigo de Brasil e cols (6), publicado nesta edição dos Arquivos Brasileiros de Endocrinologia e Metabologia, vem enfatizar a importância 📈 terapêutica dos efeitos de um programa de exercícios com pesos em pacientes adultos portadores da síndrome da deficiência do hormônio 📈 do crescimento, sem reposição hormonal.
A literatura descreve o aumento de massa gorda e diminuição da massa muscular com diminuição de 📈 força e maior fadiga nestes pacientes (7-9).
Os benefícios da reposição hormonal são responsáveis por praticamente reverter estas alterações.
Esta reversão deve-se, 📈 fundamentalmente, aos efeitos anabólicos do GH (10).
No estudo de Brasil e cols (6), 11 pacientes adultos com deficiência de GH 📈 foram submetidos a um programa de 12 semanas de exercícios com peso, sem reposição hormonal.
Ao final do programa, os pacientes 📈 apresentaram redução de gordura na região do tronco, apesar do programa ter sido restritivo a exercícios de força, não visando 📈 propriamente uma redução da massa gorda, e sim uma melhora da potência muscular.
O aspecto interessante é que o programa promoveu 📈 uma melhora significativa na potência muscular, com sensível repercussão na melhora da qualidade de vida, sem promover aumento da massa 📈 muscular.
Os autores atribuem este efeito às adaptações associadas a um melhor recrutamento das fibras musculares, melhor relaxamento dos músculos antagonistas 📈 aos movimentos e um ganho de propriedades contráteis das fibras, como aumento relativo nas áreas das fibras do tipo 1, 📈 menor utilização de glicogênio pela célula muscular, e aumento das enzimas do ciclo de Krebs e do número e volume 📈 de mitocôndrias.
A indicação de exercícios para estes pacientes é proposta pelos autores como uma alternativa terapêutica para a melhora da 📈 qualidade de vida quando não for possível a reposição de GH.
Já para as ciências do esporte, o artigo pode ser 📈 visto como uma evidência importante para resgatar os benefícios que os programas de exercício podem trazer e que são efetivamente 📈 os efeitos ergogênicos fisiológicos que devem ser valorizados e difundidos.
Referências1.
Rosen O, Sudgot-Borgen J, Maehlum S.
Supplement use and nutritional habits in 📈 Norwegian elite athletes.
Scand J Med Sci Sports 1999;9:28-35.2.
Sobal J, Marquart LF.
Vitamin/mineral supplement use among athletes: a review of the literature.
Int 📈 J Sport Nutr 1994;4:320-4.3.Burke LM, Read RSD.
Dietary supplements in sports.
Sports Med 1993;15:43-65.4.Maughan RJ.
Creatine supplementation and exercise performance.
Int J Sport Nutr 📈 1995;5:94-101.5.
Odland LM, MacDougall JD, Tarnopolsky M, Eloraggia A, Borgman A, Atkinson S.
The effect of oral Creatine supplementation on muscle [PCr] 📈 and power output during a short-term maximal cycling task.
Med Sci Sports Ex 1994;26:S23.6.
Brasil RRLO, Conceição FL, Coelho CW, Rebello CV, 📈 Araújo CGS, Vaisman M.
Efeitos do treinamento físico contra resistência sobre a composição corporal e a potência muscular em adultos deficientes 📈 de hormônio do crescimento.
Arq Bras Endocrinol Metab 2001;45: - .7.
Cuneo R, Salomon F, Wiles C, Hesp R, Sonksen P.
Growth hormone 📈 treatment in growth hormone-deficient adult.I.
Effects of muscle mass and strength.
J Appl Physiol 1991;70:688-94.8.
Salomon F, Cuneo R, Hesp R, Sonksen P.
The 📈 effects of treatment with recombinant human growth hormone on body composition and metabolism in adults with growth hormone deficiency.
N Engl 📈 J Med 1989;321:1797-803.9.
Jorgensen J, Moller J, Wolthers T, Vahl N, Juul A, Skakkebaek N, et al.
Growth hormone (GH) deficiency in 📈 adults: Clinical features and effects of GH substitution.
J Pediatr Endocrinol 1994;7(4):283-93.10.
Powrie J, Weissberger A.
A growth hormone replacement therapy for growth 📈 hormone-deficient adults.
Drugs 1995;49(5):656-63.