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Introdução
Tendo sido desde logo um país pioneiro no cinema, a Itália só tarde chegou 6️⃣ ao género do terror. Embora se conte a curta-metragem “Il mostro di Frankenstein” (1921) de Eugenio Testa, como o primeiro 6️⃣ filme de terror italiano, só nos anos 60 o género se implantou definitivamente.
Fê-lo através de um terror gótico, de casas 6️⃣ assombradas, fantasmas do passado, e possessões misteriosas, que quase sempre lidavam com sexualidade reprimida e terminavam em m casadeaposta macabras e 6️⃣ sangrentas mortes. Era o gótico italiano, com que Riccardo Freda, Mario Bava, Antonio Margheriti, e outros, seguiam os ensinamentos da 6️⃣ produtora britânica Hammer e do imaginário de Edgar Allan Poe, que faria escola, influenciando novos géneros de terror, tanto na 6️⃣ Itália como no resto do mundo.
A era dourada do cinema italiano
Em 1951 Hollywood descobria a Itália. Tal sucedeu aquando da 6️⃣ produção de “Quo Vadis?” (1951) de Mervyn LeRoy, um épico histórico cuja acção decorre no primeiro século d.C., que a 6️⃣ Metro-Goldwyn-Mayer achou por bem filmar em m casadeaposta Itália, para aproveitar cenários naturais, mas principalmente os excelentes estúdios da Cinecittà, e 6️⃣ os seus técnicos qualificados.
Erigidos durante o período fascista, os estúdios de Roma encontravam-se agora abertos às produções estrangeiras, num momento 6️⃣ em m casadeaposta que a Itália recuperava da guerra e o seu cinema, parco de dinheiro, optava por vias alternativas de 6️⃣ orçamentos modestos, como era o caso do Neo-realismo. Com o sucesso internacional de “Quo Vadis?” percebia-se que existiam em m casadeaposta 6️⃣ Itália estúdios e técnicos de altíssimo nível, e tudo por muito baixo preço. Era o início do período chamado «Hollywood 6️⃣ no Tibre», que levaria muitas produções americanas (com os seus realizadores, técnicos e actores) a mudar-se para Itália, no que 6️⃣ seria um desfile de filmes rodados ao longo de uma década.
Com o dinheiro trazido pelas produtoras norte-americanas, o cinema italiano 6️⃣ teve então um boom. Era não só o intercâmbio artístico e técnico, mas também a descoberta de novos mercados, onde, 6️⃣ graças à influência dos filmes americanos, novos géneros chegavam a Itália. Dava-se a criação do chamado cinema de género, começando 6️⃣ com o terror, ainda nos anos 50, o gótico italiano; a «commedia all’italiana», derivada do lado mais cor de rosa 6️⃣ do Neo-realismo; e o filme épico na tradição de “Quo Vadis?” e seus sucessores, o «peplum». Na década de 60 6️⃣ ganhariam peso o western («spaghetti»), o thriller criminal («giallo»), o filme de guerra («maccaroni combat»), o policial («poliziesco»), o gore 6️⃣ de exploitation («splatter»), entre outros, que competiam com o mais sério cinema de autor, gerando muitas centenas de filmes em 6️⃣ m casadeaposta cerca de duas décadas e meia.
O gótico em m casadeaposta Itália
É curioso que, ao reentrar no cinema de terror, a 6️⃣ Itália tenha escolhido o género gótico, algo que está intimamente ligado à literatura inglesa.
O gótico inglês liga-se ao romantismo do 6️⃣ século XIX, com o seu gosto pelo passado (tudo o que seja medieval que, por abuso, então se apelidava de 6️⃣ gótico), onde ruínas, cemitérios, espaços lúgubres e os elementos naturais em m casadeaposta revolta, eram reflexos de turbilhões internos e decadência 6️⃣ humana. Isto acontecia numa era de charneira entre tradição e avanço científico, o confronto colonial com o império e um 6️⃣ mundo moderno. Aí o homem confrontava-se com o passado, dividia-se entre superstição e razão, arcava com pesos de outras vidas, 6️⃣ que via metaforizadas em m casadeaposta fantasmas, casas assombradas e ameaças estrangeiras exóticas.
Esse movimento, curiosamente, tal como Shakespeare fizera em m casadeaposta 6️⃣ muitas das suas peças teatrais, viu Itália como um cenário perfeito. Nascem assim obras como “O Castelo de Otranto”, de 6️⃣ Horace Walpole, publicado em m casadeaposta 1764, e considerada a primeira obra literária desse género, bem como as obras de Ann 6️⃣ Radcliffe “A Sicilian Romance” (1790), “The Mysteries of Udolpho” (1794) e “The Italian” (1797). O fascínio pelo diferente, pitoresco e 6️⃣ romântico, levava os escritores góticos a pensar em m casadeaposta Itália, e os leitores italianos a deixarem-se fascinar por este modo 6️⃣ de estar tão britânico.
O género gótico no cinema italiano
Por essa ligação entre a literatura gótica inglesa e Itália, não é 6️⃣ de estranhar que muitos dos filmes góticos italianos tenham personagens de nome inglês e histórias que decorram em m casadeaposta Inglaterra. 6️⃣ Isso, para além do embuste de tradicionalmente se darem nomes anglófonos a realizadores, actores e técnicos italianos, para que o 6️⃣ público sentisse esses filmes como mais genuínos, isto é, vindos da terra do gótico, onde ao mesmo tempo a Hammer 6️⃣ criava alguns dos filmes e personagens mais emblemáticos do género.
É nesse contexto que surge “Os Vampiros” (I Vampiri, 1957) um 6️⃣ filme ainda híbrido, que mistura um presente na Itália contemporânea, onde decorre uma história detectivesca, com um final digno de 6️⃣ um gótico, passado num espaço que remete para um passado decadente. Filmado à pressa por Riccardo Freda, que abandonou o 6️⃣ projecto a meio, deixando-o ser finalizado pelo seu director de fotografia, Mario Bava, “Os Vampiros” padeceu de um argumento aos 6️⃣ soluços, uma montagem estranha e principalmente fraquíssimos meios de produção. Ainda assim, o filme resultou melhor do que se esperaria, 6️⃣ e gerou uma procura que seria o início do gótico italiano.
Se Mario Bava e Riccardo Fredda foram sempre os nomes 6️⃣ mais sonantes do género, cedo surgiram outros autores como Giorgio Ferroni e Antonio Margheriti e mesmo Sergio Corbucci (mais conhecido 6️⃣ pelos seus western spaghetti), por vezes assinando com pseudónimos ingleses, o mesmo acontecendo com os actores, quando não havia mesmo 6️⃣ importação de nomes de fora, como a icónica Barbara Steele, a rainha do gótico italiano, e mesmo o célebre Christopher 6️⃣ Lee, estrela das inglesas Hammer e Amicus.
Os temas passavam pela bruxaria de tom medieval, como em m casadeaposta “A Máscara do 6️⃣ Demónio” (La Maschera del Demonio, aka Black Sunday, 1960) de Mario Bava; por estranhas maldições como em m casadeaposta “The Mill 6️⃣ of the Stone Women” (Il Mulino delle Donne di Pietra, 1960) de Giorgio Ferroni; reencarnações com vinganças do passado, como 6️⃣ em m casadeaposta “Nightmare Castle” (Amanti D’oltretomba, 1965) de Mario Caiano, ou em m casadeaposta “Operação Medo” (Operazione Paura, aka Kill Baby 6️⃣ Kill, 1966) novamente de Mario Bava; casas assombradas de fantasmas vingativos, como em m casadeaposta “Castle of Blood” (Danza Macabra, 1964) 6️⃣ de Antonio Margheriti); e mesmo por desvios sexuais misturando fetiches e torturas de violência sádica, como em m casadeaposta “The Horrible 6️⃣ Dr. Hichcock” (L’orribile Segreto del Dr. Hichcock, 1962) de Riccardo Freda, e em m casadeaposta “The Whip and the Body” (La 6️⃣ Frusta e il Corpo, 1963) de Mario Bava. Em m casadeaposta comum havia a presença de mulheres fortes, muitas vezes tanto 6️⃣ no papel de vítima como de monstro (com Barbara Steele a ter inclusivamente papéis duplos nalguns filmes). Havia um acentuado 6️⃣ gosto pelo macabro, mortes violentas e o uso do sangue, que tinha efeito intensificado nos filmes a cores, numa paleta 6️⃣ saturada, muito ao estilo do que a Hammer e a AIP vinham fazendo.
Gótico vs. Giallo
Talvez não seja demais fazer algumas 6️⃣ ressalvas sobre o género em m casadeaposta discussão. Deve, para já, dizer-se que gótico e terror são conceitos diferentes. O gótico 6️⃣ passa principalmente por contexto e atmosfera que pesa sobre as motivações, comportamentos e estado de espírito dos personagens. Uma obra 6️⃣ gótica não é necessariamente uma obra de terror. Veja-se o exemplo de “O Monte dos Vendavais” de Emily Brontë e 6️⃣ de “Jane Eyre” de Charlotte Brontë, tal como o chamado «Southern Gothic» norte-americano, onde brilhou, por exemplo, William Faulkner. Estas 6️⃣ são obras góticas, pelo modo como os personagens são definidos, como reagem, como se relacionam com o seu meio, e 6️⃣ não por serem histórias de terror. Do mesmo modo nem todo o terror é gótico, como perceptível nos filmes slasher, 6️⃣ por exemplo em m casadeaposta “O Regresso do Mal” (Halloween, 1978) de John Carpenter, nos filmes gore, de zombies, até ao 6️⃣ recente sub-género de found-footage de terror sobrenatural, como “O Projecto Blair Witch” (Blair Witch Project, 1999)” de Daniel Myrick e 6️⃣ Eduardo Sánchez, ou “Actividade Paranormal” (Paranormal Activity, 2007) de, Oren Peli, etc.
Outra confusão comum é a que por vezes se 6️⃣ faz entre o gótico italiano e o chamado giallo. «Giallo» é a palavra italiana que significa «amarelo», que ficou associada 6️⃣ a um género de literatura popular de detectives que a editora Mondadori tornou numa colecção de sucesso, a partir de 6️⃣ 1929, com uma série longa de livros de baixo custo (a chamada pulp fiction). Por esta razão, ainda hoje, do 6️⃣ mesmo modo que nós dizemos «romance policial» ou «história de detectives», os italianos dizem simplesmente «giallo».
Como género cinematográfico, o giallo 6️⃣ começou com o filme “A Rapariga Que Sabia Demais” (La ragazza che sapeva troppo, 1963) de Mario Bava. O género 6️⃣ caracteriza-se por se centrar numa história detectivesca, passada num momento contemporâneo, onde se acompanhava o percurso de um assassino em 6️⃣ m casadeaposta série, geralmente em m casadeaposta doses macabras de crimes e sangue, e não tendo, tipicamente qualquer presença sobrenatural. O gótico 6️⃣ italiano, por seu turno, passa-se em m casadeaposta tempos remotos (ou quando muito em m casadeaposta atmosferas que tal evoquem, como o 6️⃣ interior de um velho castelo), lida com presenças sobrenaturais ou, pelo menos, com crimes que parecem sugeridos por seres ou 6️⃣ encarnações do além, envolvendo um erotismo latente, e o peso psicológico do passado como decadência humana.
É claro que há por 6️⃣ vezes uma sobreposição entre o gótico italiano e o giallo, a qual começa logo com o citado “Os Vampiros”. Sintomático 6️⃣ será também o facto de que, aquele que se tornou praticamente o pai do gótico italiano (Mario Bava) ser também 6️⃣ o criador do giallo, e de o mais famoso e macabro realizador de giallo, Dario Argento, em m casadeaposta breve começar 6️⃣ a misturar os dois géneros, aliando o gore típico do giallo a atmosferas irreais próprias do gótico.
A herança do gótico 6️⃣ no terror
Se o gótico italiano abriu uma porta para o giallo, onde triunfariam realizadores como (mais uma vez) Mario Bava, 6️⃣ mas também Lucio Fulci, Dario Argento, Sergio Martino, entre outros, foi essencialmente um abrir de portas para outros géneros de 6️⃣ terror, etc. O gosto pelo terror passava a fazer parte da tradição italiana nos anos 70, sendo um mercado vivo 6️⃣ e em m casadeaposta crescimento.
Exemplos dessa diversidade são os filmes de zombies, onde se destaca Lucio Fulci desde “Zombi 2 – 6️⃣ A Invasão dos Mortos Vivos” (Zombi 2, 1979), e a chamada exploitation em m casadeaposta temas tão excêntricas como o canibalismo, 6️⃣ como em m casadeaposta “Holocausto Canibal” (Cannibal Holocaust, 1980) de Ruggero Deodato, a quase pornografia de terror, como na obra de 6️⃣ Joe D’Amato, e a estranha série de filmes de sexploitation nazi, como “A Última Orgia do III Reich” (The Gestapo’s 6️⃣ Last Orgy 1977) de Cesare Canevari.
Outros caminhos têm sido explorados num regresso ao sobrenatural, como o culto demoníaco em m casadeaposta 6️⃣ obras como “As Sete Portas do Inferno” (L’aldilà / The Beyond, 1981) de Lucio Fulci e “A Catedral” (La chiesa, 6️⃣ 1989) de Michele Soavi, um discípulo de Argento. Numa mistura de gótico com surrealismo e temas de H. P. Lovecraft 6️⃣ surgiu mais recentemente “Dark Waters” (Temnye vody, 1993) de Mariano Baino, e, lidando com a magia negra, “Arcane Sorcerer” (L’Arcano 6️⃣ Incantatore, 1996) de Pupi Avati.
Seja como for, é hoje inegável que, se da Itália têm surgido alguns géneros e abordagens 6️⃣ originais para o cinema de terror, tal deve-se à constante influência (transversal a tantos autores) do universo gótico, criado na 6️⃣ década de 1960.
Bibliografia consultada
BONDANELLA, Peter – A History of Italian Cinema. London: Bloomsbury Academic, 2009.
BROWN, Keith H. – Gothic/Giallo/Genre: Hybrid 6️⃣ Images in Italian Horror Cinema, 1956-82. In Ilha do Desterro nº 62, p. 173-194, Florianópolis, Jan-Jun 2012.
CELLI, Carlo; COTTINO-JONES, Marga 6️⃣ – A New Guide to Italian Cinema. New York, NY: Palgrave McMillan, 2007.
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