A eleição de Bolsonaro alarmou setores ligados aos esportes.
O motivo das preocupações, porém, não estava nas suas filosofias políticas ou♣️ nas suas declarações polêmicas.
Eram bem mais mundanas as razões do sobressalto.
Ainda durante o segundo turno das eleições, o presidente do♣️ Comitê Olímpico Brasileiro manifestou preocupações quanto ao futuro dos investimentos governamentais para o setor, que beneficiam grandemente instituições como o♣️ próprio Comitê Olímpico Brasileiro[1].
Confirmada a eleição de Bolsonaro, Leandro Cruz, atual Ministro do Esporte, queixou-se do fato de futsal euro 2024 equipe♣️ não ter sido procurada pelo grupo responsável pela transição de governos.
Segundo ele, a falta de interesse prenunciava a pouca importância♣️ política que o novo governo pretendia atribuir aos esportes[2].
Como reação, Leandro Cruz tentou justificar a importância de um ministério exclusivamente♣️ dedicado aos esportes em artigo na Folha de S.Paulo.
Segundo dizia esse artigo, mais que bons resultados em competições internacionais, ações♣️ governamentais para o setor esportivo justificam-se pelas suas supostas capacidades de promover "inclusão social".
Nas palavras do ministro: "Somos um ministério♣️ que mostra resultados sociais.
Todos sabemos dos benefícios do esporte na saúde, para geração de empregos e na prevenção à violência"[3].
Mas,♣️ afinal, faz sentido reivindicar a existência de um Ministério do Esporte? O Ministério do Esporte, de fato, tem "resultados sociais"♣️ para mostrar? Porque seria benéfico ou vantajoso para o país uma estrutura institucional desse tipo? Seria correto que os esportes♣️ podem prevenir a criminalidade, melhorar os índices de educação, gerar empregos e promover a "inclusão social"? Há algum fundamento objetivo♣️ para essas crenças? O que nos dizem as evidências disponíveis?*
Primeiro, esportes não oferecem oportunidades amplas e efetivas de emprego ou♣️ ascensão social.
Em 2015, mais de 80% dos jogadores de futebol do Brasil – que é a modalidade com maiores oportunidades♣️ profissionais de trabalho e renda – ganhavam apenas até R$ 1.
000 por mês, conforme dados oficiais da Confederação Brasileira de♣️ Futebol (CBF).
Comparados com dados do Ministério do Trabalho, é um salário médio inferior ao de categorias profissionais como as de♣️ "garçom", "ascensorista", "ajudante de pedreiro", "tratador de porcos" e "catador de material reciclável".
Além disso, a maioria dos contratos de trabalho♣️ no futebol é temporário, restrita ao primeiro semestre do ano, quando se realizam os campeonatos estaduais.
Depois disso, cerca de 60%♣️ desses jogadores têm os contratos de trabalho rescindidos e estão oficialmente desempregados[4].
Um estudo da Fundação João Pinheiro, considerando um amplo♣️ universo de ocupações possíveis no setor esportivo, indicou rendimentos médios mensais ainda menores, entre R$ 487 e R$ 560 (em♣️ 2010).
Segundo este estudo, cerca de 70% dos atletas auferem rendimentos abaixo do salário mínimo e necessitam de uma segunda ocupação.
Além♣️ disso, conforme indica o estudo, as oportunidades de trabalho nessa área são limitadas, respondendo por menos de 0,5% das vagas♣️ de emprego formal no Brasil (a maioria em atividades de condicionamento físico, que em certa medida se diferenciam de esportes♣️ propriamente ditos).
Não bastasse, entre 2007 e 2012, o desempenho do setor foi inferior ao da média dos demais setores econômicos♣️ do país[5].
Se emprego e salário parecerem boas estratégias para a "inclusão social", os interessados nesse assunto talvez devam buscar outras♣️ alternativas que não os esportes.
Por mais tocantes que sejam casos de atletas que obtiveram prosperidade por meio dos esportes, tratam-se♣️ de exceções que apenas confirmam a regra.
*
Afora limitações na capacidade do setor esportivo oferecer empregos e assim oportunidades de ascensão♣️ social, boa parte dos investimentos governamentais nessa área não se destinam a propósitos de promoção da saúde, estímulo a participação♣️ esportiva ou mesmo a tal "inclusão social" – apesar desses tópicos serem frequentemente citados pelos que saem em defesa do♣️ envolvimento governamental com esportes, como fez o atual ministro Leandro Cruz e como fazem vários outros que se engajam nessa♣️ causa.
Há poucos meses, quando o governo de Michel Temer anunciou a criação de um Fundo Nacional para Segurança Pública, que♣️ seria em parte constituído por recursos antes destinados aos esportes, uma ampla coalização se mobilizou a fim de tentar reverter♣️ a decisão.
Durante audiência na Comissão de Esporte da Câmara, o velejador Lars Grael, superintendente de relações institucionais do Comitê Brasileiro♣️ de Clubes, classificou a medida como um "equívoco histórico" e um "crime lesa pátria"[6].
O judoca Tiago Camilo, presidente da comissão♣️ de atletas do Comitê Olímpico Brasileiro, sugeriu que a diminuição de gastos no esporte comprometeria medidas de combate à violência[7].
Por♣️ meio de um vídeo na internet, o tenista Gustavo Kuerten também se manifestou, classificando a medida como "totalmente insensata"; um♣️ "ato de desespero e covardia", ele disse[8].
O ex-jogador de futebol Raí, a ex-jogadora de basquete Magic Paula e Louise Bezerra,♣️ ligados à organização Atletas pelo Esporte, também criticaram a medida.
Segundo argumentaram, a expectativa de diminuição de recursos do Ministério do♣️ Esporte era "um gol contra para as áreas que têm impacto na prevenção da criminalidade".
Segundo eles, "esporte e educação são♣️ parte da estratégia utilizada com êxito em diversos países para diminuir os índices de criminalidade".
[9] Até o Colégio Brasileiro de♣️ Ciências do Esporte, associação científica que reúne estudiosos brasileiros dos esportes, publicou uma manifestação contra a medida, onde se destacava♣️ o esporte e o lazer como "direitos sociais inalienáveis"[10].
Nenhuma dessas declarações, contudo, parece ter levado suficientemente em conta a dureza♣️ terra-a-terra das políticas de esportes no Brasil, onde cerca de 70% dos recursos públicos gastos nessa área destinam-se ao alto♣️ rendimento[11].
Conforme disseram Felipe Sigollo e Pedro Trengrouse, respectivamente, atual secretário executivo adjunto do Ministério do Esporte e professor da Fundação♣️ Getúlio Vargas, "sob a ótica do alto rendimento, o Brasil, sem dúvida, está entre os países com maior investimento esportivo♣️ nos últimos anos.
Foram R$ 8,3 bilhões nos estádios da Copa, R$ 7,2 bilhões nas arenas dos Jogos Olímpicos e, desde♣️ 2001, quase R$ 10 bilhões das loterias destinados ao Ministério do Esporte, Comitê Olímpico do Brasil, clubes de futebol, Comitê♣️ Paralímpico Brasileiro, Comitê Brasileiro de Clubes e Federação Nacional de Clubes / A soma corrigida de incentivos fiscais, Jogos Pan-Americanos,♣️ Mundiais Militares, Copa do Mundo, Jogos Olímpicos e Paralímpicos - com os valores destinados anualmente ao esporte olímpico pelas loterias♣️ e empresas estatais - passa de R$ 100 bilhões."[12].
Por princípio, esportes de alto rendimento oferecem poucas oportunidades de participação, além♣️ de terem consequências nulas ou até negativas para a maioria da população.
Não esqueçamos as violações de direitos humanos e as♣️ escassas evidências de legados positivos dos megaeventos recentemente realizados no Brasil[13].
A linguagem abstrata dos direitos sociais inalienáveis pode ser comovente,♣️ mas pode também ser enganosa e vazia de conteúdo político.
Em palavras de ordem desse tipo, genéricas e pré-fabricadas, não há♣️ diagnósticos implícitos ou explícitos, nem tampouco o direcionamento para reivindicações ou propostas concretas.
Tudo se resume a um palavrório velho e♣️ desgastado.
Não é um golpe do azar, portanto, que quase 59% de escolas de ensino fundamental do país não tenham quadras♣️ esportivas, conforme dados oficiais do Censo Escolar de 2017 (número que pode chegar a 71%, se considerarmos apenas escolas municipais,♣️ que reúnem 64% dos estabelecimentos de ensino fundamental do país)[14].
Como se vê, 15 anos de existência de um Ministério do♣️ Esporte fizeram muito pouco pela "inclusão social" de crianças e jovens das escolas públicas do país.
Em 2005, um relatório do♣️ Tribunal de Contas da União sobre o Programa Segundo Tempo, iniciativa do Ministério do Esporte que oferece oportunidades de práticas♣️ esportivas para crianças e jovens depois do turno escolar, já apontava para uma falta de representatividade desta ação, que atendia,♣️ na época, apenas 1% do total da população entre 7 e 17 anos[15].
Não foi falta de recursos, no entanto, o♣️ que impôs essa estreiteza de horizontes e essa tibieza de resultados.
Foi falta de prioridade política pura e simplesmente.
Ou melhor, foi♣️ o predomínio de outras prioridades políticas.
*
Na mesma época em que ações do Ministério do Esporte voltadas ao esporte educacional atendiam♣️ um número reduzidíssimo de crianças e jovens, o Brasil se preparava para sediar os Jogos Pan-Americanos de 2007, que apenas♣️ iniciaram a abertura dos cofres públicos para a família olímpica.
Pouco depois viriam ainda os Jogos Olímpicos e a Copa do♣️ Mundo.
Nenhum desses esforços, porém, que demandaram altos investimentos, como se sabe, não parecem ter melhorado ou ampliado as condições de♣️ prática esportiva das escolas brasileiras, como o provam as atuais situações da maioria desses estabelecimentos de ensino.
Dentre as poucas e♣️ pobres ações governamentais voltadas aos esportes educacionais, as evidências capazes de sustentar que tais investimentos são benéficos ou eficientes são♣️ também bastante controversas.
Crianças que praticam esportes têm vantagens educacionais decorrentes deste envolvimento? Projetos com esportes podem, de fato, prevenir a♣️ criminalidade?
A literatura especializada nesses assuntos é extensa e inconclusa.
Pesquisas sobre os efeitos de esportes sobre a educação, de maneira geral,♣️ realizadas em diferentes lugares e a partir de diversos métodos, frequentemente indicam resultados conflitantes[16].
Em meio a achados tão controvertidos, nenhum♣️ estudioso sério se precipitaria em afirmar categoricamente que projetos esportivos podem cumprir promessas de desenvolvimento, prevenção ao crime, combate a♣️ delinquência juvenil ou "inclusão social", independente das circunstâncias gerais que os envolvem.
Ao contrário, existem mesmo sérias objeções acadêmicas à ideia♣️ de que o esporte ou políticas públicas nesse setor podem afetar condições gerais de vida e cidadania.
Na verdade, vários pesquisadores♣️ que estudam o assunto se referem à suposição de que os esportes podem agenciar transformações sociais como algo "problemático", "sem♣️ muito efeito" ou tão somente como "ideologias carentes de evidências".
Andrew Guest, por exemplo, professor da Universidade de Portland, nos Estados♣️ Unidos, ao realizar uma pesquisa de campo em meio a um projeto de esportes para residentes de um campo de♣️ refugiados na África, concluiu que a iniciativa simplesmente não era capaz de promover os objetivos que prometia.
Conforme suas duras palavras,♣️ "suspeito que o esporte não pode ser uma parte útil do desenvolvimento [.
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.
] Esportes não desenvolvem diretamente ninguém ou qualquer♣️ comunidade"[17].
Alguns outros vão além, afirmando não apenas que os esportes, na maioria das vezes, de fato, não são capazes de♣️ promover a tão almejada "inclusão social", como dizem ainda que políticas públicas concentradas em oferecer esportes para comunidades pobres podem♣️ até mesmo atrapalhar o desenvolvimento social.
Conforme famosas palavras de Jay Coakley, professor da Universidade do Colorado, nos Estados Unidos, ao♣️ direcionar recursos públicos geralmente escassos para tais projetos, essas iniciativas, apesar de bem-intencionadas, podem às vezes camuflar e até fazer♣️ esquecer os verdadeiros problemas que afligem essas comunidades[18].
Nesse sentido, tais projetos desviam a atenção dos problemas fundamentais e acabam por♣️ dificultar a orquestração de esforços com maior potencial de realmente mitigar a pobreza e promover o desenvolvimento.
Frequentemente, projetos de esportes♣️ voltados para residentes de bairros pobres limitam-se a oferecer escusas para políticos dissimularem que estão fazendo algo de útil e♣️ importante em favor desses grupos, quando na verdade estão fazendo muito pouco ou quase nada; ou então para que gestores♣️ de organizações não governamentais garantam recursos financeiros para suas próprias instituições, quando não para os seus próprios bolsos.
Em todos os♣️ casos, é a indústria do problema social em plena ação.
O principal problema dos pobres é sempre a pobreza, e não♣️ a falta de oportunidades de praticar esportes.
Quando o ministro do esporte afirma que "todos sabemos dos benefícios do esporte", ele♣️ talvez precise então especificar melhor o sujeito da oração.Todos, quem?*
Fred Coalter, professor da Escola de Esportes da Universidade de Stirling,♣️ na Escócia, e uma das principais autoridades internacionais em estudos sobre políticas de esporte, dono de uma volumosa e reputada♣️ obra sobre o assunto, há anos vem chamando atenção para a sistemática falta de evidências que marca o pensamento e♣️ a prática política da atuação governamental com relação aos esportes.
Segundo suas conclusões, não é a participação em esportes o que♣️ contribui para a "inclusão social", mas sim a "inclusão social" o que permite a participação em esportes[19].
Rigorosamente no mesmo sentido,♣️ Anthony Veal, professor da Universidade Tecnológica de Sydney, na Austrália, concluiu, a partir de um amplo estudo de quase 30♣️ países europeus, que a desigualdade de renda é o fator fundamental a facilitar ou dificultar a participação em práticas esportivas.
Desse♣️ modo, ele afirma, políticas públicas dedicadas especificamente aos esportes teriam pouca ou nenhuma capacidade de alterar os índices de participação♣️ esportiva, mesmo quando fossem estes os objetivos dessas políticas (o que de todo modo nunca foi o caso do Ministério♣️ do Esporte no Brasil, que sempre privilegiou os esportes de alto rendimento, como destacamos).
Segundo palavras do pesquisador australiano, "se a♣️ causa fundamental dos problemas sociais é a desigualdade estrutural na sociedade, políticas focadas diretamente sobre o problema da desigualdade na♣️ participação esportiva dificilmente serão bem-sucedidas"[20].
Situações bem documentadas em que esportes parecem ter contribuído, ou de alguma forma tomado parte em♣️ iniciativas bem-sucedidas com propósitos de desenvolvimento social existem, mas não são tantas quanto os defensores mais entusiastas do envolvimento governamental♣️ com esportes fazem parecer.
"Desenvolvimento", "cidadania" ou "inclusão social", além de conceitos cheios de ambiguidades, não contam com fórmulas pré-estabelecidas para♣️ a futsal euro 2024 realização, de modo que alcançá-los é um empreendimento difícil e incerto.
Nesses casos, o que pesquisadores examinam não é♣️ se esportes podem ou não oferecer oportunidades nesse sentido – o que é sempre relativo e dependente de uma grande♣️ variedade de condições, às vezes inteiramente circunstanciais.
O que se examina são justamente as condições que parecem facilitar ou dificultar a♣️ realização de objetivos dessa natureza.
Ninguém sabe ao certo que condições são essas.
Se soubessem, haveria então uma fórmula pronta para ser♣️ seguida e seríamos todos felizes para sempre.
No entanto, embora não ofereçam receitas, o acúmulo de pesquisas sobre o assunto já♣️ sugere insights e aponta caminhos.
De projetos para a prática de esportes entre meninas na Índia até jogos de basquete em♣️ bairros com altos índices de criminalidade nos Estados Unidos, passando pela oferta de esportes para jovens com suas famílias na♣️ Islândia, um elemento frequentemente presente é a profunda articulação dessas iniciativas com outros projetos e instituições movidos por finalidades muito♣️ mais amplas do que a prática de esportes em si mesmo[21].
Profunda articulação com outros projetos e instituições movidos por finalidades♣️ muito mais amplas, bem entendido, não equivale a discursos bonitos, mas vazios, de que o propósito deste ou daquele projeto♣️ de esportes é o de formar cidadãos e não atletas, o que muitas vezes está limitado ao plano meramente retórico.
Projetos♣️ de esportes que acontecem na escola ou que dizem ter finalidades educativas, mas que não têm relação com currículos, com♣️ professores ou com projetos pedagógicos das escolas, na prática não guardam nenhuma articulação nem com as escolas, nem tampouco com♣️ projetos educacionais de maneira mais ampla.
Com efeito, é precisamente desta maneira desarticulada das escolas e de seus projetos pedagógicos que♣️ funciona o Programa Segundo Tempo – aquela iniciativa do Ministério do Esporte que oferece oportunidades para uma parcela reduzidíssima da♣️ população em idade escolar.
*
Ao que tudo indica, portanto, nas situações em que há indícios empíricos de que os esportes parecem♣️ ter desempenhado algum efeito positivo e significativo sobre projetos de desenvolvimento social, o esporte aparece como uma espécie de pretexto♣️ ou "ponto de partida" para mobilizar e motivar indivíduos a se engajarem em certas ações – que podem ser de♣️ combate ao crime, de orientação sexual, de reforço escolar, de capacitação para o trabalho ou de desincentivo ao consumo de♣️ álcool entre jovens, entre várias outras possibilidades[22].
Assim, quanto mais integrado com outros projetos e instituições voltadas à "inclusão social" ou♣️ à prevenção da criminalidade, melhor; enquanto mais isolado dessa rede de ação, pior.
Nesse contexto, a ideia de subordinar políticas de♣️ esporte a políticas educacionais, vinculando o Ministério do Esporte ao Ministério da Educação, parece não apenas boa, como talvez seja♣️ a mais lógica e sensata medida a ser tomada nesse quesito.
Tal decisão, de fato, pode representar uma derrota para os♣️ atletas de alto nível, para os gestores de organizações não governamentais que manejam iniciativas ligadas aos esportes ou ainda para♣️ os dirigentes de federações e confederações esportivas, que apesar de serem entidades privadas e oferecerem benefícios limitadíssimos ao conjunto da♣️ população, se é que oferecem algum, têm historicamente sido os principais beneficiários das políticas e investimentos públicos em esportes no♣️ Brasil.
Como bem demonstrou certa vez João Malaia, professor do Departamento de História da Universidade Federal de Santa Maria, no Rio♣️ Grande do Sul, desde que o Estado brasileiro se envolveu sistematicamente com o apoio e o financiamento de práticas esportivas,♣️ ainda nos meados da década de 1920, subsídios para atletas participarem em competições internacionais e para a organização de grandes♣️ eventos esportivos têm sido a tônica dessas políticas[23].
Grosso modo, políticas de esporte no Brasil têm sido apenas uma forma sutil♣️ e mais ou menos hipócrita de garantir acesso de grupos privilegiados às chaves que guardam os recursos dos cofres do♣️ Tesouro.
Muitos dos que criticam e se mobilizam contra a extinção do Ministério do Esporte fazem-no, é certo, por boa fé;♣️ movidos que estão por uma ideologia obtusa, mas bem-intencionada, como o são quase todas as ideologias.
Outros, porém, menos inocentes, fazem-no♣️ apenas por receio de que a diluição institucional das ações governamentais dessa área lhes prive do acesso direto ao balcão♣️ de negócios que a porta da sala dos Ministros de Estado pode franquear com mais facilidades.
A defesa do esporte ou♣️ de uma decidida ação do Estado nessa área, porém, não deve se confundir com a defesa dos interesses de atletas♣️ de elite.
Tampouco deve se confundir com os interesses de grandes federações e confederações esportivas.
Também não deve se limitar a reproduzir♣️ uma ideologia ingênua e mal informada, que atribui superpoderes de transformação social aos esportes.
Tudo isso são apenas fantasias irrealistas ou♣️ lobbies corporativos (chamados também rent-seeking, isto é, tentativas de obter vantagens econômicas por meio da influência política).
Talvez já tenha passado♣️ da hora das vozes críticas que pensam o esporte se erguerem contra esse estado de coisas, a fim de se♣️ empenharem mais decididamente em separar o bebê da água suja da bacia.
Conforme revelaram os dados do Diagnóstico Nacional do Esporte,♣️ a maior parte dos praticantes de esportes no Brasil (70%) não têm vínculos com instituições esportivas (clubes, ligas ou federações)[24].
O♣️ caráter informal e institucionalmente desorganizado desses esportistas amadores tende a privá-los de representação política nas instâncias decisórias do poder público.
Afinal,♣️ não se veem em Brasília lobistas ou grupos de pressão organizados a defender os interesses difusos dos que praticam esporte♣️ por lazer.
Em defesa desses grupos, não há manifestos, cartas públicas, vídeos no Youtube, discursos no Congresso ou artigos em jornais♣️ de grande circulação.
O fim do Ministério do Esporte como estrutura autônoma, em favor de ações integradas às políticas educacionais, afora♣️ garantir, ao menos formalmente, o cumprimento do preceito constitucional que determina privilégio do investimento estatal nesse setor ao esporte educacional,♣️ algo olimpicamente ignorado nos últimos anos, pode ser o prenúncio de uma pequena vitória para os milhões de estudantes das♣️ redes públicas de educação do Brasil, onde de fato se concentram os jovens e crianças pobres do país, quase sempre♣️ desprovidos de quaisquer apoios ou incentivos para a prática de esportes.
Nada garante que será esse o caso.
Oxalá, que assim seja![1]♣️ Marcelo Laguna.
Haverá mobilização se próximo governo cortar verbas, diz presidente do COB.Folha de S.Paulo, 11 out.2018.
[2] Diego Garcia, João Gabriel♣️ e Sérgio Rangel.
Esporte não será prioridade em governo Bolsonaro, diz atual ministro.Folha de S.Paulo, 13 nov.2018.[3] Leandro Cruz.
O esporte como♣️ prioridade.Folha de S.Paulo, 16 nov.2018, p.A3.[4] Rodrigo Capelo.
A fábrica de ilusões do futebol.Época, 22 fev.2016.
[5] Fundação João Pinheiro.
Cadeia produtiva do♣️ esporte de alto rendimento em Minas Gerais.
Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2013.[6] //www.youtube.
com/watch?v=PbSZ9ZtjEF8.[7] Marcelo Laguna.
Entidades do esporte se unem para♣️ evitar perda de R$ 300 milhões.Folha de S.Paulo, 12.jun.2018.[8] //www.youtube.
com/watch?v=vaxZG_PPXak.
[9] Raí, Magic Paula e Louise Bezerra.
Um novo 7 a 1♣️ no esporte brasileiro.Folha de S.
Paulo, São Paulo, 1 jul.2018, p.A3.[10]http://www.cbce.org.
br/upload/biblioteca/Manifesta%C3%A7%C3%A3o_CBCE_MP_841.pdf
[11] Marcelo Resende Teixeira e colaboradores.
Esporte, fundo público e pequena política:♣️ os reveses de um orçamento (r)emendado.
Movimento, Porto Alegre, v.24, n.2, p.593-606, abr./jun.
de 2018; Fernando Mascarenhas.
O orçamento do esporte: aspectos da♣️ atuação estatal de FHC à Dilma.
Revista Brasileira Educação Física e Esporte, v.30, n.4, p.963-980, out./dez.2016.
[12] Felipe Sigollo e Pedro Trengrouse.
Investimento♣️ inteligente no esporte.Folha de S.Paulo, 26 jun.2018, p.A3.
[13] Andrew Jennings e colaboradores.
Brasil em jogo: o que fica da Copa e♣️ das Olimpíadas? São Paulo: Boitempo, 2014; Dave Zirin.
O Brasil dança com o diabo: Copa do Mundo, Olimpíadas e a luta♣️ pela democracia.
São Paulo: Lazuli, 2014, especialmente cap.
7; Flávio de Campos.
O lulismo em campo: aspectos da relação entre esportes e política♣️ no Brasil.
In: Gilberto Maringoni e Juliano Medeiros (organizadores).
Cinco mil dias: o Brasil na era do lulismo.
São Paulo: Boitempo / Fundação♣️ Lauro Campos, 2017, p.241-247.
Uma visão mais panorâmica sobre o assunto encontra-se em John Horne.
The Four 'Knowns' of Sports Mega‐Events.Leisure Studies,♣️ v.26, n.1, p.81-96, 2007.[14] Brasil.
Censo Escolar 2017: notas estatísticas.
Brasília / Rio de Janeiro: Ministério da Educação / Instituto Nacional de♣️ Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2018, p.6.
[15] Tribunal de Contas da União.
Relatório de Avaliação do Programa Segundo Tempo.
Brasília: Tribunal♣️ de Contas da União, 2006, p.20 e 84.
[16] Dois exemplos: Richard Bailey.
Physical education and Sport in Schools: a Review of♣️ Benefits and Outcomes.
Journal of School Health, vol.76, p.397-401, 2006; H.David Hunt.
The effect of extracurricular activities in the educational process: influence♣️ on academic outcomes? Sociological Spectrum, v.25, issue 4, 2005.[17] Andrew M.Guest.
The diffusion of development-through-sport: analysing the history and practice of♣️ the Olympic Movement's grassroots outreach to Africa.
Sport in Society, v.12, n.10, Dec.2009, p.1.346 e 1.348.[18] Jay Coakley.
Using sports to control♣️ deviance and violence among youths: Let's be critical and cautious.
In: Margaret Gatz, Michael A.Messner & Sandra J.
Ball-Rokeach (Editors).
Paradoxes of Youth♣️ and Sport.
Albany: SUNY Press, 2002, p.13-30.[19] Anthony J.Veal.
Leisure, income inequality and the Veblen effect: cross-national analysis of leisure time and♣️ sport and cultural activity.Leisure Studies, v.
35, issue 2, 2016, p.226.
[20] Uma síntese recente das observações deste autor sobre o assunto♣️ pode ser encontrada em Fred Colter.
Sport for Development: What game are we playing? New York: Routledge, 2013.[21] Tess Kay.
Developing through♣️ sport: evidencing sport impacts on young people.
Sport in Society, v.12, issue 9, p.1.177-1.
191, 2009; Inga Dóra Sigfúsdóttir e colaboradores.
Substance use♣️ prevention for adolescents: the Icelandic Model.
Health Promotion International, v.24, Issue 1, p.
16–25, 2009; Douglas Hartmann e Brooks Depro.
Notes on Midnight♣️ Basketball and the Cultural Politics of Recreation, Race, and At-Risk Urban Youth.
Journal of Sport and Social Issues, v.25, n.4, p.339-371,♣️ 2001.
[22] Geoff Nichols e Iain Crow.
Measuring the Impact of Crime Reduction Interventions Involving Sports Activities forYoung People.Howard Journal, v.43, n.3,♣️ p.
227-236, 2004; Douglas Hartmann.
Theorizing Sport as Social Intervention: A View From the Grassroots.Quest, v.55, n.2, p.118-140, 2003.
[23] João Manuel Casquinha♣️ Malaia Santos.
Brazil: An Emerging Power Establishing Itself in the World of International Sports Mega-Events.
The International Journal of the History of♣️ Sport, v.31, Issue 10, p.1312-1327, 2014.[24] Brasil.
Diesporte, caderno 2: o perfil do sujeito praticante ou não de esportes e atividades♣️ físicas da população brasileira.
Brasília: Ministério do Esporte, 2016, p.40.
*
Para o artigo completo em PDF: O fim do Ministério do Esporte♣️ – boa ou má notícia [pdf].