Somente nos três primeiros dias desta semana (29 a 31 de maio), pelo menos quatro pessoas já entraram em contato ♣ com a clínica terapêutica Casa Despertar, localizada no Ceará, para tratamento relacionado ao vício em apostas on-line
O aumento da procura ♣ por tratamento para vício em apostas on-line pode estar relacionado com o recente salto de popularidade das casas de apostas, ♣ ou "bets", como são conhecidas
José Castro, que está em tratamento psicológico e psiquiátrico há cinco meses, conhece bem o mundo ♣ das apostas.
Entre 2017 e 2022, passeou por plataformas de daytrade e diversas "bets".
Hoje ele tem uma dívida de R$ 200 ♣ mil, fruto dos vários empréstimos feitos para apostar ao longo desse tempo
Pelo menos duas pessoas por dia entram em contato ♣ com o gerente de acolhimento Marcelo Palácio, da clínica terapêutica Casa Despertar, em Aquiraz-CE, em busca de orientação para tratamento ♣ relacionado ao vício em apostas online.
São os próprios dependentes que reconhecem o problema ou seus familiares que pedem auxílio para ♣ lidar com este tipo de compulsão.
Os casos chegam de todo o País, com pessoas que já torraram todo o dinheiro ♣ que tinham em mãos em roletas, "jogos de foguetinhos" e palpites esportivos.
E mesmo após destruírem suas vidas financeiras, não conseguem ♣ parar sem ajuda.
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"A dependência por apostas é semelhante à dependência química.
O vício faz com que a pessoa coloque a ♣ vida em risco, pegando dinheiro emprestado com agiotas para apostar", afirma Palácio.
"Quando o jogador ganha, sente aquela dopamina, uma sensação ♣ de prazer parecida com a produzida pelo uso de entorpecentes.
Quando perde, tem a mesma depressão e ressaca moral que a ♣ droga traz", explica.
O aumento da procura por tratamento para vício em apostas on-line (esportivas ou não) pode estar relacionado com ♣ o recente salto de popularidade das casas de jogos de azar, ou "bets", como são conhecidas.
Na rede social Facebook, por ♣ exemplo, um dos maiores grupos de apostadores foi criado há menos de dois anos e já conta com 99 mil ♣ membros.
As propagandas com as marcas das casas de apostas também estão por todos os lugares.
Essas empresas patrocinam os times de ♣ futebol da série A do Campeonato Brasileiro, possuem comerciais na TV aberta e contam com a ajuda de conhecidos influenciadores ♣ digitais para impulsionar o conteúdo voltado ao segmento.
Felipe Neto, que possui 17,2 milhões de seguidores somente na rede social Instagram, ♣ por exemplo, já fez publicidade para o site Blaze, que oferece apostas esportivas e jogos de cassino.
Apostas são proibidas no ♣ Brasil?
Cassinos físicos são proibidos no Brasil, entretanto essas empresas conseguem operar on-line no País, mantendo as sedes no exterior.
Já as ♣ apostas esportivas serão regulamentadas via medida provisória (MP) que ainda passará pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
"A MP ♣ estabelece que as empresas de apostas deverão promover ações informativas e preventivas de conscientização de apostadores e de prevenção do ♣ transtorno do jogo patológico.
A iniciativa visa a garantir a saúde mental dos apostadores, evitando que as apostas se transformem em ♣ um vício", afirma nota do Ministério da Fazenda.
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De ♣ qualquer forma, já há uma grande facilidade de acesso do brasileiro às apostas, sejam esportivas ou de cassino.
E isso faz ♣ com que até mesmo menores de idade, cujo acesso deveria ser proibido em ambos os casos, consigam jogar.
Segundo Palácio, chovem ♣ casos de jovens entre 14 e 20 anos que apresentam comportamentos compulsivos.
"O problema cresce na era dos telefones celulares, uma ♣ vez que a tecnologia possibilita apostar 24 horas por dia, 7 dias por semana, por meio de cassinos virtuais móveis.
Tenho ♣ visto, com tristeza, o crescimento do problema em meu consultório, tanto em número de clientes quanto em valores apostados", alerta ♣ Ana Paula Hornos, psicóloga clínica e educadora financeira.
"Os jogos de aposta preferidos entre os jovens brasileiros são as esportivas on-line, ♣ que são mais viciantes."
O psicanalista Michel Nogara, psicólogo e doutor em psicologia clínica pela PUC/SP, também notou o aumento da ♣ procura por tratamento em seu consultório.
Pelo menos 30% dos seus pacientes jogam compulsivamente.
Ele conta que essas pessoas geralmente apresentam um ♣ quadro de angústia pregressa.
"Cada pessoa é singular, mas geralmente todo comportamento compulsivo significa uma espécie de fuga da vida", afirma.
Apostas ♣ sem controle
O funcionário público Murilo Castro, em tratamento psicológico e psiquiátrico há cinco meses, conhece bem o sofrimento das perdas ♣ com apostas.
Entre 2017 e 2022, perdeu dinheiro com plataformas de daytrade e em diversas bets esportivas ou na modalidade de ♣ "cassino on-line".
Hoje ele acumula uma dívida de R$ 200 mil, fruto dos vários empréstimos feitos para apostar ao longo desse ♣ tempo.
O nome deste personagem viciado em apostas foi alterado para evitar que sofra represálias, preconceitos ou prejuízos materiais e físicos.
A ♣ relação com os jogos de azar de Castro começou no conhecido jogo do bicho, após a mudança do Maranhão para ♣ o Rio de Janeiro, em 2006.
Nesta época, ele estima ter perdido cerca de R$ 40 mil com as jogatinas.
Em 2009, ♣ Castro mudou-se para a Brasília e, sem encontrar máquinas caça-níquel à disposição, permaneceu "sóbrio" até 2017, ano em que as ♣ plataformas on-line de apostas e de daytrade já ganhavam tração no País.
Naquele ano, o funcionário público também sofreu uma grande ♣ decepção financeira: ele havia participado de um processo seletivo que renderia ganhos mensais de R$ 60 mil, mas não foi ♣ aprovado.
"Eu não não soube lidar com essa situação e procurei uma outra forma de ter retorno", afirma Castro.
O caminho que ♣ ele escolheu, ganhar dinheiro com daytrade pela plataforma Olymp Trade.
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Sem uma base sólida em educação financeira, Castro utilizou a plataforma ♣ de daytrade como uma casa de apostas.
Por sorte, conseguiu fazer um lucro de R$ 900 nos primeiros dias e, impressionado ♣ com o rendimento, utilizou todo o limite disponível que tinha em dois cartões de crédito para engordar os tradings.
Juntos, os ♣ dois cartões disponibilizavam para ele R$ 13 mil.
"Eu comecei a perder.
No final, eu usei todo o meu limite para depositar ♣ na plataforma.
Depois, peguei empréstimo consignado e mudei para outro site porque vi que não estava ganhando nada", relata.
Day trade vicia?
Rodrigo ♣ Cohen, analista de investimentos, planejador financeiro e co-fundador da Escola de Investimentos, afirma que daytrade não é uma aposta, mas ♣ a estratégia de investimento pode, sim, viciar e levar a comportamentos impulsivos e nocivos.
"Ver o dinheiro aumentando e diminuindo na ♣ tela, em quantidades por vezes muito altas e de forma rápida, pode fazer o investidor perder a cabeça.
Infelizmente, é possível ♣ viciar com toda a adrenalina do processo", diz Cohen.
"Se você começar a se desviar da estratégia de trade e do ♣ planejamento financeiro, só para tentar ver o dinheiro subir a todo custo, pode ser que esteja viciado", afirma.
Após sair da ♣ Olymp Trade, o refúgio seguinte do funcionário público foi a BetFair, uma das maiores casas de apostas com atuação no ♣ Brasil.
A primeira jogatina ocorreu na modalidade cassino, e como é comum de ocorrer, gerou lucros iniciais.
Um depósito de cerca de ♣ US$ 10 se tornou US$ 200.
Castro sacou esse dinheiro e continuou apostando, tanto nos jogos de roleta quando na aposta ♣ esportiva, até começar a perder novamente e se endividar ainda mais.
"Em uma noite eu ganhei US$ 907.
No outro dia, quando ♣ estava no meu trajeto do trabalho para casa, me deu uma vontade muito grande de aumentar aquele valor.
Aí eu resolvi ♣ apostar e perdi tudo", afirma Castro.
Depois da Betfair, ele ainda utilizou uma série de casas de apostas e cassinos digitais, ♣ como o Spin Palace e Brazino777.
A compulsão era tão grande que ele não conseguia sacar os valores na conta nem ♣ quando tinha sucesso nas apostas.
"O meu emocional não deixava.
Quando eu solicitava o saque, havia 24 horas de processamento.
Nesse período, o ♣ dinheiro fica ali, disponível para ser apostado e eu sempre apostava, não conseguia chegar até o saque", afirma.
"Estourei minha margem ♣ de consignado e todo dinheiro que entrava era para o jogo, só fui me afundando cada vez mais.
E toda possibilidade ♣ de refinanciamento daquele empréstimo, eu fazia."
Sem conseguir mais crédito com os bancos, ele passou a pedir empréstimo a amigos e ♣ agiotas.
"Antes das eleições do ano passado, no início outubro, me deu uma ansiedade tão grande que eu gastei todo o ♣ meu pagamento em apostas.
Peguei dinheiro emprestado com um colega para cobrir esse gasto e fiquei devendo bastante.
Em novembro, aconteceu a ♣ mesma coisa, só que eu peguei ainda mais emprestado.
E em dezembro eu tinha R$ 15 mil de pagamento e todo ♣ esse dinheiro foi para pagar as pessoas que eu devia.
O que sobrou, joguei tudo", conta Castro.
A avalanche financeira só parou ♣ quando a esposa do funcionário público o confrontou e o incentivou a pedir ajuda.
Desde janeiro deste ano, Castro está em ♣ tratamento psicológico e todo o pagamento que recebe é encaminhado para a conta da esposa.
"Minha mulher acabou 'jogando junto', indiretamente, ♣ e adoecendo também.
Para suprir a falta da minha parte do dinheiro em casa, ela também pegou empréstimos", diz.
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Atualmente, existem casas ♣ de apostas que utilizam ferramentas para bloquear ou suspender usuários que demonstrem um comportamento compulsivo.
Entretanto, Castro afirma nunca ter sofrido ♣ nenhum tipo de intervenção.
Apostas e o fim do casamento
Se Castro já tinha algum histórico de compulsão quando começou a apostar, ♣ o também funcionário público Fernando Sá (também nome fictício para proteger a fonte) nunca tinha passado por uma situação parecida.
Ele ♣ conta que começou com as apostas há cinco anos na Bet365, como uma forma de fazer renda extra para compensar ♣ um golpe no qual foi vítima.
Na época, recorreu ao banco para comprar um veículo e revender o carro pela internet.
No ♣ entanto, no negócio, entregou o veículo ao comprador mas não recebeu o dinheiro – e ainda precisou continuar pagando o ♣ empréstimo.
No início, conseguiu fazer alguma renda com apostas esportivas, cerca de R$ 1 mil ao mês.
Depois, começaram os desfalques.
"Eu não ♣ conseguia perceber, mas cheguei a perder até R$ 3 mil em um dia", afirma.
"Quando eu ganhava, comprava algo para a ♣ minha casa e, quando eu perdia, achava que as coisas estavam ruins financeiramente por conta do golpe que havia levado ♣ do carro."
O casamento dele não resistiu à compulsão pelos jogos, que o fizeram acumular uma perda de cerca de R$ ♣ 60 mil, além dos empréstimos feitos no período para bancar as apostas.
O estopim para procurar ajuda aconteceu em meio a ♣ uma crise.
Sá relata ter sofrido uma paralisia no lado esquerdo do corpo e, após se consultar com o médico, foi ♣ encaminhado para o setor de psicologia.
"O médico disse que eu estava em depressão e não era nada muscular, físico.
Quando comecei ♣ a terapia, consegui analisar ponto a ponto os fatores que me fizeram chegar a essa situação", afirma.
Até a última quarta-feira ♣ (31), Sá estava há 13 dias sem apostar.
Como saber se sou viciado em apostas?
O vício em apostas on-line e jogos ♣ de azar é mais difícil de ser identificado do que a dependência por químicos, quando geralmente ocorrem mudanças físicas no ♣ indivíduo.
Muitas vezes, como nos casos acima, a identificação só vem quando as graves consequências financeiras começam a ficar evidentes e ♣ a afetar a dinâmica da família.
Entretanto, há muitos sinais para identificar um processo compulsivo.
Palácio, da Despertar, lista alguns comportamentos importantes, ♣ como efeitos na vida financeira, acordar pensando em apostas e checagens muito frequentes na tabela de jogos.
O psicólogo Nogara também ♣ detalha algumas características de jogadores adictos.
A primeira, a falta de controle e a obsessão pelas apostas.
"O maior interesse na vida ♣ desse jogador é apostar.
Como o alcóolatra, que só pensa no próximo gole, o jogador adicto pensa na próxima aposta", afirma.
"Existe ♣ ainda o jogador patologicamente otimista, que sempre acredita que vai ganhar e não vê que o contrário é que acontece."Publicidade
Outra ♣ característica, a incapacidade de parar de apostar quando está ganhando.
"É frequente ver esses jogadores afirmarem que estão apostando pouco, mas ♣ em algum momento esse jogador passa a recorrer montantes mais altos, o que está ligado ao prazer que sente ao ♣ apostar, a emoção", ressalta Nogara.
Um grupo de apoio bastante conhecido entre jogadores compulsivos é o Jogadores Anônimos (JA).
No site do ♣ grupo, também são listadas 20 perguntas para ajudar a identificar a compulsão.
Caso se identifique com as questões abaixo, procure ajuda.
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