Andrei Kampff
Um olhar um pouco mais cuidadoso e com um pouco de boa vontade nos mostra algo para vencer a 🌝 desesperança.
O esporte está atacando o preconceito, entendendo assim seu papel histórico de proteção inseparável de Direitos Humanos.
Esporte abraça e não 🌝 separa.
Colunistas do UOL
Muitos criticaram a decisão do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) de aplicar uma multa de (apenas) 50 🌝 mil reais ao Flamengo por canto homofóbico em partida contra o Grêmio pela Copa do Brasil.
Parece um absurdo mesmo, mostrarei 🌝 que não.
(Antes, um alerta importante.
Este texto não é sobre o comportamento da torcida do Flamengo, ou do Atlético, ou do 🌝 Grêmio.
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este texto é sobre uma cultura que precisa mudar.
A sociedade mudou, o direito acompanha essa evolução e o futebol não 🌝 é um mundo paralelo).
Lembre que até pouco tempo atrás, o crime de preconceito sequer era punido na Justiça Comum e 🌝 na Desportiva.
Não tem sido mais assim.
Ainda bem, estamos caminhando.
Devagar, mas estamos.
Para trazer exemplos dos últimos meses.
Em uma decisão histórica do 🌝 STJD, o presidente do Fast Clube foi condenado a 120 dias de suspensão por misoginia.
Recentemente, uma Lei em Pernambuco passou 🌝 a punir condutas preconceituosas em arenas esportivas no Estado.
Claro que o que vale fora dos estádios vale dentro.
Agora, a Lei 🌝 reforça compromisso público de combate ao preconceito e ajuda a isolar ideia de futebol como mundo paralelo, onde "tudo é 🌝 permitido".
O mesmo movimento se vê em decisões internacionais.
A UEFA tem punido seleções por manifestações preconceituosas de torcedores.
Federações Internacionais, como a 🌝 inglesa, também têm condenado manifestações preconceituosas.
Quando a Justiça Desportiva age assim, manda um recado: "não ataquem Direitos Humanos, ou vocês 🌝 serão punidos".
Nos Jogos Olímpicos de Tóquio outro exemplo importante.
A medalhista de prata no arremesso de peso feminino, a norte-americana Raven 🌝 Saunders não foi punida na cerimônia de premiação.
A atleta de 25 anos, que é mulher, negra e lésbica, cruzou os 🌝 punhos sobre a cabeça formando um 'x', gesto que representa apoio aos oprimidos que lutam contra a discriminação dentro e 🌝 fora do esporte.
Apesar de ter flexibilizado em partes a Regra 50 da Carta Olímpica, que fala sobre manifestações nos Jogos, 🌝 o Comitê Olímpico Internacional (COI) manteve o veto durante o pódio, permitindo que eles acontecessem apenas em coletivas de imprensa 🌝 e em situações que não necessitam de interrupções, garantindo o respeito pelos outros competidores.Mesmo assim,.
Raven não foi punida.
Ela defendia a 🌝 igualdade, uma bandeira inseparável do movimento olímpico.
Quando a Justiça Desportiva age dessa forma, ela manda outro recado: "Esporte não se 🌝 separa de Direitos Humanos"
Agora, a Justiça carrega a espada e a venda como símbolos.
A espada é o símbolo da força 🌝 coercitiva que o direito tem.
A venda, o da imparcialidade.
O que vale para um, vale para outro.
O Grêmio ainda é o 🌝 único grande clube punido de maneira rigorosa por preconceito.
E foi por injúria racial.
Aqui, uma reflexão que precisa ser feita.
A necessária 🌝 proteção de Direitos Humanos e o combate ao preconceito não se restringe ao racismo, mas vale também para outras formas 🌝 de discriminação, como a homofobia.
Vai ser fácil de entender.
Proteção Universal de Direitos Humanos
O processo de construção de uma política global 🌝 de Direitos Humanos começa a ganhar força com a Revolução Francesa e a Declaração de Direitos do Homem e do 🌝 Cidadão, que tinha como cerne princípios de liberdade e igualdade para os homens.
Mas foi depois das atrocidades da Segunda Guerra 🌝 Mundial e a consequente criação da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1945, que surgem órgãos e instâncias internacionais voltadas 🌝 à proteção dos Direitos Humanos.
O principal avanço ocorre com a promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) em 1948, 🌝 que estabelece o caráter universal desses direitos.
Depois disso, com o surgimento de um Sistema Internacional de Proteção a Direitos Humanos, 🌝 vários tratados e convenções internacionais que atacam a discriminação por cor, raça, credo, religião, sexo, opção sexual.
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foram celebrados e ratificados 🌝 por centenas de países, inclusive o Brasil.
Ou seja, eles foram internalizados pelo país, ganham força de lei.
Em 2005, a Resolução 🌝 A/60/L.
1 da ONU, seguia na linha de colocar o esporte como promotor de paz e desenvolvimento.
E, claro, como vetor de 🌝 integração social.
Os chefes de Estado, através da ONU, reafirmaram ali seu compromisso na construção e manutenção da paz e do 🌝 respeito aos Direitos Humanos.
Dessa forma, a Resolução traz o esporte como uma das mais valorizadas medidas a serem promovidas pelos 🌝 países membros das Nações Unidas:
Salientamos que o desporto pode ajudar a promover a paz e o desenvolvimento e contribuir para 🌝 um clima de tolerância e compreensão, e incentivamos o debate de propostas conducentes a um plano de acção sobre desporto 🌝 e desenvolvimento na Assembleia Geral.
No Brasil, decisão do STF também deveria trazer reflexos no esporte
A nossa Constituição Federal já traz 🌝 no art 5º, entre os direitos fundamentais, toda proteção inegociável à dignidade humana e combate a qualquer tipo de preconceito.
Mas 🌝 em 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) tomou uma importante decisão na luta por igualdade no Brasil e no combate 🌝 à homofobia.
Por maioria, a Corte reconheceu uma demora do Congresso Nacional para incriminar atos atentatórios a direitos fundamentais dos integrantes 🌝 da comunidade LGBT.
Os ministros Celso de Mello, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen 🌝 Lúcia e Gilmar Mendes votaram pelo enquadramento da homofobia e da transfobia como tipo penal definido na Lei do Racismo 🌝 (Lei 7.
716/1989) até que o Congresso Nacional edite lei sobre a matéria.
O importante nessa reflexão é entender os reflexos dessa 🌝 decisão na esfera esportiva.
O futebol também tipifica o crime de preconceito
A preocupação necessária com a proteção de Direitos Humanos também 🌝 esta declarada dentro dos regulamentos internos do futebol.
O Estatuto da FIFA - espécie de "Constituição do futebol" - ataca o 🌝 preconceito.O art.
3, traz o compromisso de que a "FIFA está comprometida com o respeito aos direitos humanos internacionalmente reconhecidos e 🌝 deverá empreender esforços para promover a proteção desses direitos".
Em 2019, o Código Disciplinar da FIFA se posicionou de maneira firme, 🌝 apresentando caminho para punições à violação de Direitos Humanos, como injúria racial e homofobia.
Diz o era 13:
13 Discrimination 1.
Any person 🌝 who offends the dignity or integrity of a country, a person or group of people through contemptuous, discriminatory or derogatory 🌝 words or actions (by any means whatsoever) on account of race, skin colour, ethnic, national or social origin, gender, disability, 🌝 sexual orientation, language, religion, political opinion, wealth, birth or any other status or any other reason, shall be sanctioned with 🌝 a suspension lasting at least ten matches or a specific period, or any other appropriate disciplinary measure.
Tradução Livre:
13 Discriminação - 🌝 Qualquer pessoa que ofenda a dignidade ou integridade de um país, uma pessoa ou grupo de pessoas por meio de 🌝 palavras ou ações desdenhosas, discriminatórias ou depreciativas (por qualquer meio) em razão da raça, cor da pele, etnia, nacional ou 🌝 social origem, gênero, deficiência, orientação sexual, idioma, religião, opinião política, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição ou qualquer outro motivo, 🌝 serão punidos com uma suspensão de pelo menos dez jogos ou um período específico, ou qualquer outra medida disciplinar apropriada 🌝 .
A Carta Olímpica - espécie de Constituição do movimento olímpico - também traz em seus princípios 2 e 4 a 🌝 proteção a dignidade humana e o combate a qualquer tipo de preconceito.
A Justiça Desportiva brasileira tem punido a injúria racial 🌝 com base no art.
243-G do Código Brasileiro de Justiça Desportiva, que trata de atos discriminatórios.
Mas claro que os Códigos internacionais 🌝 do desporto também são analisados, até porque a Lei Pelé, no art 1º, § 1o , determina que as regras 🌝 internacionais do esporte são recebidas pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Ou seja, as regras internacionais do esporte foram internalizadas pelo legislador.
Claro que 🌝 a equiparação da homofobia ao crime de racismo pelo STF, também deu mais segurança ao julgador esportivo para punir condutas 🌝 homofóbicas com base no mesmo artigo, mesmo sem uma mudança no CBJD.
Afinal, o direito é um só.
O caminho necessário
Quando pensamos 🌝 em Direitos Humanos, o mundo contemporâneo tem exigido respostas e compromissos cada vez mais efetivos por parte dos Estados.
E claro 🌝 que o esporte não só deve seguir esse caminho, como ir além.
Ser protagonista nesse movimento.
Os tratados internacionais de proteção de 🌝 Direitos Humanos, Constituição brasileira, a decisão do STF, o Código da Fifa e as decisões recentes do STJD são facilitadores 🌝 nesse caminho.
Fundamental é entender que colocar qualquer tipo de decisão que coloque freios a essas bandeiras universais será sempre um 🌝 erro histórico do esporte.
Assim como o racismo, a homofobia não tem mais espaço em lugar nenhum, muito menos no sempre 🌝 inclusivo esporte.
Proteger direitos humanos não é só uma escolha possível para o esporte, é um dever.
Ah, sobre o caso do 🌝 Flamengo, a procuradoria do STJD pode apresentar recurso da decisão e ele voltar a ser julgado.
Dessa vez, pelo Pleno.
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