Muitas características que marcaram a prática de elite na esfera esportiva, em São Paulo, também foram próprias do futebol informal, 🌟 varzeano ou dos arrabaldes, como se designava na época, início do século XX.
A mesma paixão, a mesma febre são exemplos 🌟 dessa identidade entre uma prática e outra.
Essas práticas, certamente, não estiveram absolutamente isoladas.
Evidentemente, não eram pequenas as distâncias.
A prática do 🌟 futebol encontrou amplos espaços na sociedade paulistana.
Escolas, empresas, organizações religiosas e/ou culturais, entre tantas instituições, presenciavam o jogo de bola.
Todo 🌟 bairro da cidade possuía, ao menos, um clube/time e um campo.
Existiam muitos campeonatos por todo o espaço urbano.
Clubes e ligas 🌟 esportivas eram fundados com uma velocidade marcante.
De fato, a cidade começava respirar o futebol.
Esporte que, inicialmente, parecia que seria mais 🌟 um modismo do paulistano, acostumado a muitos.
Mas a relação da população com o "esporte bretão" revelou outra condição.
O futebol começou 🌟 a fazer parte do cotidiano.
A primeira observação a se fazer acerca dos clubes dedicados ao jogo da bola, fora das 🌟 entidades oficiais, é o seu número significativo.
Nas páginas dos periódicos, diariamente eram anunciados novos clubes, nos mais diferentes bairros da 🌟 cidade.
Por exemplo, tem-se A.A.Água Branca, C.A.
Paraíso, Perdizes F.C., entre inúmeros.
Já existiam, na década de 1910, em função da quantidade de 🌟 associações esportivas, as rivalidades dentro de cada bairro ou regiões da cidade.
No dia 29 de dezembro de 1914, um cronista 🌟 d'O Estado de São Paulo, apresenta um levantamento estatístico, certamente incompleto, sobre associações esportivas existentes na cidade.
O jornalista solicitou informações 🌟 acerca de cada clube, pedindo-se entre outros dados: nomes dos diretores, nome da associação, local da sede, número de sócios 🌟 e o gênero de esporte a que se dedicavam.
A seção Sport do periódico apresenta uma primeira lista, em que constam 🌟 os nomes de 136 associações esportivas, sendo a grande maioria da cidade de São Paulo e o restante referindo-se a 🌟 algumas cidades do interior do estado.
Segundo a LPF, existiam no estado de São Paulo aproximadamente 2 mil clubes praticantes de 🌟 futebol.
No mesmo O Estado de São Paulo, na edição de 29 de agosto de 1915, um domingo, anunciou 47 jogos 🌟 envolvendo 94 clubes, 188 times e 1 068 jogadores.
Estes dados dão a dimensão da dinâmica do futebol em São Paulo.
Como 🌟 o futebol oficial, também o informal foi objeto de notícia nos periódicos da época tratada.
Porém, sintomaticamente, essa prática esportiva só 🌟 recebeu destaque fora da seção de esportes.
A seção de alguns jornais, denominada Fatos Diversos, esboço de uma crônica policial, era 🌟 o espaço que o futebol varzeano ocupava.
Observe-se esta notícia, também publicada pelo O Estado de São Paulo, ainda em agosto 🌟 de 1915: "Um 'ground' em polvorosa - Na várzea do Carmo, dois 'times' anônimos de menores desocupados se empenharam ontem 🌟 às três e meia horas da tarde, num 'match' de 'futebol', com entusiasmo belicoso de dois cães na disputa de 🌟 um osso."
Nessa introdução aos acontecimentos, o jornalista propositalmente coloca o jargão próprio do futebol entre aspas, dizendo, de outra forma, 🌟 que campo, time, jogo ou futebol, são vagas lembranças do que se tinha entre as elites.
Portanto, campo era o Velódromo 🌟 ou o Parque Antártica; time, o C.A Paulistano, a A.A.
das Palmeiras e alguns mais; jogo, apenas os do campeonato da 🌟 Liga Paulista de Foot-ball (LPF); e, futebol, aquela prática oficializada e organizada pela entidade competente.
Por outro lado, menores que praticavam 🌟 uma forma de lazer num domingo à tarde são taxados de desocupados.
Os atletas dos clubes de elite, que treinavam nos 🌟 dias úteis, no meio da tarde, nunca foram denominados assim.
Além disso, a emoção própria da prática do futebol, tão decantada 🌟 nos jogos do Velódromo, aqui era percebida de forma preconceituosa.
A descrição, mais parecida com um julgamento, continuava:
Uma multidão de menores 🌟 lota o 'ground', cheia de curiosidade, e de remendo nas calças, e o próprio transeunte desocupado parava para gozar do 🌟 espetáculo gratuito, porque os 'matchs' de "futebol" na várzea do Carmo tem sempre o que ver: não raro terminar indo 🌟 o 'time' vencido para o hospital e o vencedor para o xadrez.
Apesar de reconhecer uma razoável organização nos jogos da 🌟 várzea do Carmo, o redator d'O Estado de São Paulo nota que são poucos os jogos em que a violência 🌟 e a consequente presença da polícia não são fatos.
Ou seja, o citado espetáculo gratuito, para o cidadão que não queria 🌟 ou não podia pagar para assistir a uma partida no Velódromo, não era o jogo em si, mas a violência 🌟 premeditada.
E a matéria continuava:
Ao começar o segundo tempo, que foi um tempo quente, o povo interviu de novo, manifestando-se furiosamente 🌟 contra o juiz de linha Carlos Grumberg que não deu sinal de "off-side", em certa ocasião em que a bola 🌟 saiu do campo.
O que sucedeu foi um dos "halves-back" "shootar" a bola para dentro do "goal" do adversário.
A assistência que 🌟 não pagou ingresso e não foi convidada, protestou energicamente, invadindo o campo.
Essa prática de o público intervir num jogo, naquela 🌟 época, era corriqueira, mesmo em se tratando do futebol oficial.
São inúmeras as descrições de jogos em que ocorrem as invasões 🌟 no campo de jogo.
Ou ainda, são constantes as manifestações do público contra as decisões do juiz.
Não faltavam palavrões, vaias e 🌟 agressões físicas.
O público torcedor, naquela tarde de domingo na várzea do Carmo, apenas radicalizou atos que ocorriam por todos os 🌟 outros campos de São Paulo.
E, após a invasão do campo,
Um indivíduo de fraque e chapéu duro, com ares de chefe 🌟 de família, saiu fora do sério, chegou mesmo a querer dar guarda-chuvadas no juiz de linha.
Este, irritado, colérico, congestionado, avançou 🌟 para os invasores do 'ground' e, com o pau da própria bandeira que empunhava, deu bordoadas às tantas.
Daí a instantes 🌟 trilavam os apitos de socorro e a debandada começou.
Mais uma vez a emoção foi colocada como algo que transforma as 🌟 pessoas.
Uma paixão incontrolável.
Exatamente o contrário do que deveria ocorrer, ao menos no entender das elites paulistanas, que se apresentavam como 🌟 as donas do futebol em São Paulo.
A rivalidade e a disputa eram reconhecidas como importantes valores, mas sempre limitadas e 🌟 controladas.
Não é à toa que no Velódromo, junto à arquibancada, existia um cartaz com os seguintes dizeres: "É proibido vaiar.
" 🌟 Fotos da época possibilitaram esta constatação.
E o evento da várzea do Carmo continuava:
Quando a polícia apareceu encontrou apenas o juiz 🌟 de linha, a bola e o popular Agostinho Ergiacia, morador à rua São Caetano, nº 150.
Agostinho estava ferido na perna 🌟 direita e foi socorrido no gabinete médico da Polícia Central.
Carlos Grumberg, o juiz de linha é alemão, tem 19 anos 🌟 de idade, é impressor e reside à rua da Cantareira, n° 14.
Esse jogo de futebol sem ligação com a prática 🌟 oficial terminou onde outros também terminavam: na polícia.
Isso não era regra, mas os periódicos da época davam destaque quando essas 🌟 violências ocorriam.
O futebol jogado fora das entidades oficiais era pouco noticiado, principalmente até 1913, a não ser quando era "caso 🌟 de polícia".
Vale destacar que, para o olhar da imprensa paulistana, um jogo de futebol entre populares geralmente terminava em violência 🌟 descabida.
No fundo esta imprensa tentava provar o quanto seria perniciosa a participação popular nos esportes.
Especificamente no futebol não seria saudável 🌟 a introdução dessa "massa popular", dado o seu descontrole emocional e a roleta dinheiro real falta de "educação", fosse social ou esportiva.
De 🌟 forma significativa, todos os relatos apresentados sobre o futebol jogado fora das entidades oficiais têm a massiva participação da classe 🌟 trabalhadora, envolvendo profissionais pouco considerados socialmente.
Além disso, todos esses jogos apresentados foram disputados em domingos, demonstrando o quanto o futebol 🌟 era uma importante forma de lazer dos trabalhadores da cidade.
Por outro lado, a prática do futebol informal também viveu outra 🌟 experiência com as autoridades policiais: quando perturbava a ordem pública e o sossego da população.
Não foram poucas as reclamações quanto 🌟 ao futebol atrapalhar moradores e transeuntes.
Nestas notícias, publicadas pelo O Comércio de São Paulo, um periódico que buscava se distanciar 🌟 do elitismo, fica clara essa questão:
Jogo de futebol em plena via pública A rua Vasco da Gama está transformada há 🌟 muitos dias num verdadeiro campo de futebol, onde um grupo de menores vagabundos se diverte atirando pelos ares uma enorme 🌟 bola, pondo assim, em sérios riscos as vidraças das casas vizinhas.
Como se só isso não bastasse, os incorrigíveis menores proferem 🌟 palavras obscenas em voz alta.
Mais uma vez chamamos a atenção do dr.
Mascarenhas Neves, quinto delegado, para a falta de policiamento 🌟 da rua Vasco da Gama, falta esta que é sem dúvida a causa dos fatos que ali se praticam.
(12 de 🌟 junho de 1914.
) [.
.
.
] A rua 7 de Abril, principalmente no trecho compreendido entre a rua Dom José de Barros 🌟 e a praça da República, está transformada em campo de futebol.
(28 de junho de 1914.)
Tem-se mostra, assim, de que a 🌟 prática do futebol generalizou-se pela cidade.
Todo terreno vazio era passível de se transformar num improvisado campo para aquela prática esportiva.
E 🌟 quanto mais improvisado, maior a probabilidade da presença policial, praticando o controle social.
Enfim, o futebol informal, para as autoridades municipais, 🌟 ou era marcado pela violência ou pela desordem que causava no espaço público.
Então, os espaços oficial e socialmente designados para 🌟 a prática do futebol seriam desprovidos de violência e de pouca educação do paulistano comum? Alguns relatos não transmitem essa 🌟 ideia.
Ao contrário, revelam torcedores que envergonham as "finas" famílias paulistanas com seus comportamentos inadequados.
Quando São Paulo recebeu a visita dos 🌟 jogadores ingleses do Corinthian Team, O Estado de São Paulo, em 3 de setembro de 1910, publicou essa descrição da 🌟 participação do público:
Há, porém, a acrescentar a esses dois grupos de espectadores, um outro de menores proporções, exposto por todo 🌟 o recinto.
É o mais terrível porque é o da crítica impiedosa, que tudo vê pela luneta do seu otimismo e 🌟 está pronta a cobrir de grosserias e impropérios aqueles que não souberem agradar às predileções da roleta dinheiro real visão [.
.
.
].
A assistência 🌟 mostrou-se desconsolada com o desfecho que as coisas vão tomando [.
.
.
] a qualquer lance favorável para os ingleses não se 🌟 contêm e gritam e assobiam e operam em desmancho de [.
.
.
] maneiras incompatíveis com gente de boa sociedade.
Em outro momento, 🌟 em 18 de agosto do mesmo ano, ainda acerca da presença dos ingleses, as reclamações continuaram: "Portanto não se pode 🌟 culpar o público paulista, em que predominam os melhores elementos da roleta dinheiro real sociedade, pelos inconvenientes originados por algumas dezenas de 🌟 indivíduos pouco educados e quiçá analfabetos."
Esses indivíduos que se comportam de maneira inadequada nas praças esportivas, segundo avaliação da imprensa 🌟 elitista de São Paulo, nunca fazem parte do que "há de melhor" na sociedade paulistana e sempre são minorias.
E o 🌟 periódico O Estado de São Paulo não revelou onde se localizavam, dentro do Velódromo, esses torcedores "mal-educados", inclusive chegou a 🌟 afirmar que eram indivíduos presentes por toda a plateia.
Porém, em outros momentos, os jornais não eram tão implícitos e acusavam 🌟 a desordem vinda das gerais, onde o público pagava menos para assistir a um jogo.
Tem-se assim, segundo a imprensa, a 🌟 população que não sabia se portar nas próprias competições, nem nos jogos oficiais das entidades esportivas.
Em outras palavras, aqueles indivíduos, 🌟 violentos e mal-educados jamais poderiam participar de um campeonato oficial no Velódromo, espaço de senhores "finos" e senhoras e senhoritas 🌟 elegantes e chiques, além de famílias comportadas.
A junção povo-elite, no futebol, mostrava-se difícil.
Por isso é que a imprensa lamentava tanto, 🌟 em 1913, a ausência do "belo sexo" nas partidas de futebol.
Nesta notícia, de 14 de maio, publicada n'O Comércio de 🌟 São Paulo, esse assunto foi abordado da seguinte maneira: "Futebol - Apea -É deveras desoladora a ausência das gentis senhoritas 🌟 e distintas senhoras nos meetings esportivos que ultimamente se realizam nesta capital!"
Clubes e times espalham-se por São Paulo
É importante ressaltar 🌟 que a prática do futebol marcava grande parte da população paulistana.
Era quase regra que todas as associações existentes na cidade, 🌟 de uma forma ou de outra, praticassem o chamado "violento esporte bretão".
Para se ter uma dimensão do significado desse esporte, 🌟 no início da década de 1910, basta enumerar todas as entidades organizadoras do futebol na cidade, Essas entidades, desvinculadas das 🌟 oficiais, passavam de dez.
Entre outras ligas, vinculadas às entidades oficiais, a LPF e a Apea, encontravam-se a Liga Ginasial, a 🌟 Liga Infantil do Futebol, com a participação das escolas Anglo-Brasileira, Macedo Soares e outras; a Associação Acadêmica de Esportes Atléticos 🌟 e a Liga Acadêmica de Futebol, essas duas últimas formadas por escolas superiores.
Existiam também as inúmeras ligas de futebol espalhadas 🌟 por todo o interior de São Paulo, que mantinham um significativo intercâmbio com a capital.
Já estavam se tornando regra os 🌟 clubes formados a partir de empresas, fábricas ou especialidade profissional.
Assim, podia-se ler esta notícia nos periódicos da época tratada: "C.A.
Piratininga 🌟 - Alguns funcionários da São Paulo Railway resolveram reorganizar o C.A.
Piratininga, que há tempos se dissolvera, por motivos de força 🌟 maior.
", conforme se lê nos jornais de julho de 1911.
Surgiram também clubes e times ligados a atividades profissionais específicas, como 🌟 a de trabalhadores em comércio, ligados aos gráficos, como o F.C.
União Gráfica e o Guttemberg F.C.
As inúmeras associações culturais formadas 🌟 na capital paulista também enveredaram para a prática do futebol.
Sem abandonar seus objetivos iniciais, organizaram times de futebol.
Note-se esta pequena 🌟 nota, de abril de 1914: "Taborda Sport Club - Está convocando uma assembleia geral dos sócios do Centro Dramático e 🌟 Recreativo Taborda, para o dia 16 do corrente.
Essa reunião tem por fim tratar da criação de alguns times de futebol, 🌟 anexos à associação."
A partir desses dados é possível afirmar que os times de futebol formados por essas entidades culturais estavam 🌟 preocupados em dar aos seus associados a possibilidade de uma prática esportiva, no caso o futebol, talvez por ser o 🌟 esporte mais importante da época.
Nem os clubes carnavalescos, que tinham suas atividades concentradas no Carnaval, fugiram à regra: organizaram também 🌟 suas equipes de futebol.
Observe-se esta notícia, presente no Correio Paulistano de 2 de julho de 1911.
: "Sport - Um grupo 🌟 de associados do clube carnavalesco Tá Bom, Deixe jogará hoje, às oito horas da manhã, no campo existente no extremo 🌟 da rua Solon, um match-training entre os partidos vermelho e azul da seção esportiva desta sociedade.
Da mesma forma, os clubes 🌟 que se formavam apenas para a prática do futebol, também passaram a ter preocupações culturais, além de outras formas de 🌟 lazer.
Por outro lado, como já era próprio dos clubes ligados ao futebol oficial em São Paulo, também aqueles dos arrabaldes 🌟 promoviam um forte intercâmbio com associações esportivas do interior do estado.
Se no começo dos anos 1910 se tem poucas notícias 🌟 acerca desse intercâmbio, o passar dos anos faz com que notícias se multipliquem anunciando jogos em Jundiaí, Pindamonhangaba, Campinas, São 🌟 Carlos, entre outras cidades servidas pelo transporte ferroviário.
Notas nos periódicos, em novembro de 1911, confirmam esse intercâmbio:
Sport - Conforme noticiamos, 🌟 os rapazes do Concórdia Futebol Clube irão hoje a Jundiaí disputar um match de futebol com um clube daquela localidade.
Match 🌟 de futebol - Segue hoje para Pindamonhangaba o primeiro time do São Paulo Railway Futebol Clube, que vai disputar um 🌟 match de futebol com o Brasil Futebol Clube daquela cidade.
E a visita de um clube da capital, no interior paulista, 🌟 era motivo de festas intermináveis.
Geralmente visitadas em domingos, as cidades viviam em função da equipe paulistana.
Recepção popular na estação ferroviária, 🌟 com direito à banda de música, visita às autoridades municipais, almoço festivo, o jogo em si e, finalmente, uma festiva 🌟 despedida na mesma estação.
Em alguns casos, havia outras atividades, como um banquete após o jogo.
Também ocorria a presença de clubes 🌟 do interior à capital, notadamente as associações esportivas campineiras.
Memorialistas do futebol não-oficial
É importante se perceber a prática informal a partir 🌟 de memorialistas.
Nota-se o quanto, realmente, o futebol fazia parte do cotidiano da cidade.
Mesmo Jorge Americano - muito ligado às elites 🌟 paulistanas -, cujas referências são, em grande parte, do futebol oficial, apresenta dados do que o jogo de bola significou 🌟 em uma cidade que se modificou bastante.
Eis algumas dessas referências, presente em São Paulo naquele tempo: "Um grupo dos maiores, 🌟 do 4º e 5º ano, saía à tarde, uma vez por semana, com seu Carvalho, professor do 5º ano e 🌟 organizador do batalhão.
Iam jogar um novo jogo de bola chamado foot ball, no descampado atrás da capela de Santa Cecília 🌟 e vizinho da chácara de d.Angélica."
Outro memorialista paulistano, Jacob Penteado, em Belenzinho, 1910, também apresenta referências acerca do futebol.
Trabalha com 🌟 informações que esclarecem muito a prática do futebol informal.
Quando morador do Brás, rememora que "aos domingos, uma vez por outra, 🌟 ia assistir a jogos de futebol, na várzea do Carmo, onde pululavam os campos para a prática desse popular esporte".
E 🌟 recupera a origem do termo "varzeano", afirmando que
"quando, então, a várzea foi aterrada, ao tempo dos prefeitos Antônio Prado e 🌟 Raimundo Duprat (1910 e 1911), os campos de futebol multiplicaram-se, aproveitando o terreno plano.
Como se tratava de associações não oficiais, 🌟 daí derivou o termo 'varzeano' e também o de 'clubes de várzea', para designar os praticantes do futebol fora da 🌟 liga principal."
E o trabalho de memória de Jacob Penteado continuava, citando os clubes que jogavam na várzea do Carmo, também 🌟 revelando que a rivalidade acirrada levou a muitos conflitos físicos.
Segundo o memorialista,
os papões da várzea eram o Argentino, na parte 🌟 do Glicério, onde tinham seus campos também o Eden Brasil, o Norte-Americano e o XI de Agosto.
Era seu rival o 🌟 Botafogo formado por jogadores do então novel Corinthians Paulista cujo campo ficava junto à rua Paula Souza.
Nesse trecho, jogavam ainda, 🌟 o Belo Horizonte e o Cruzeiro do Sul, constituídos por elementos da colônia síria.
Quando tais clubes jogavam entre si, a 🌟 pancadaria era, invariavelmente, o arremate final da competição.
Havia muitas cabeças rachadas e jogadores correndo pelas ruas adjacentes, ainda uniformizados.
Mais tarde, 🌟 surgiram, perto do Gasômetro, o Mancha de Sangue e o Roma, seguidos pelo Polignano a Mare, todos eles formados por 🌟 membros da colônia italiana.
Houve ainda, o Parnaíba e o Aliança, e outros que não cheguei a conhecer.
A partir desse depoimento, 🌟 é possível perceber a real importância que a várzea do Carmo, com seus inúmeros clubes e campos, exerceu no desenvolvimento 🌟 do futebol em São Paulo.
Quando morador no Belenzinho, Jacob Penteado também percebeu a formação e o desenvolvimento do futebol entre 🌟 os clubes varzeanos nessa parte da cidade.
Seu relato mostra que esse bairro produziu um dos times mais velhos da várzea, 🌟 o Estrela de Ouro, fundado em 1902, duas vezes campeão municipal entre os clubes não oficiais.
Tão importante quanto essas informações, 🌟 é o fato de o memorialista chamar a atenção para a forma como se praticava o futebol nos campos de 🌟 várzea.Diz ele:
Àquele tempo, esse esporte era, na realidade, jogo para machos, pois a violência imperava, predominando o fator físico, a 🌟 força bruta.
Para isso, mais que pela técnica, quase inexistente, os integrantes do "time" eram escolhidos pela robustez.
As charges no goleiro 🌟 também eram permitidas.
Por ocasião dos escanteios (então corners), investiam quatro ou cinco jogadores, de pés levantados, de sola e até 🌟 de soco, para cima do arqueiro (chamava-se "gorquipe", corruptela de goal-keeper), que ia para o fundo da rede (quando as 🌟 havia), fortemente contundido [.
.
.
].
Os zagueiros chamavam-se "fulbeques" ou beques (full-back).
Sua tática era esta: beque que avança, que acossava os avantes 🌟 adversários, e beque que espera, que limpava a área.
Geralmente este, possuidor de forte chute (shoot), fazia a torcida delirar quando 🌟 a bola atravessava o campo ou subia que nem um balão.
No decorrer do seu relato, o memorialista mostra como havia 🌟 contato entre o futebol varzeano e o das elites, quando afirma que "um dia apareceu [no Belenzinho] um quadro da 🌟 cidade, enxertado de vários jogadores da liga oficial.
Vinham para ganhar a goleada, mas o capitão do Estrela, Ernesto Sertório, perdeu 🌟 a cabeça e meteu o braço no famoso Hermann Friese, um dos maiores craques da época.
O homem reagiu e o 🌟 conflito generalizou-se".
Inclusive, ainda segundo Jacob Penteado, "naquele tempo, muitos futebolistas jogavam armados.
Usavam uma faixa bem larga, na cintura, e nela 🌟 ocultavam armas, para a hora de 'balançar a roseira'.
Os próprios juízes atuavam armados, pois eram constantemente vítimas de agressões".
Outro aspecto 🌟 importante abordado por Jacob Penteado é o da rivalidade que vai se constituir entre clubes do mesmo bairro.
O já citado 🌟 Estrela tinha como grande rival o União Belém.
Eles "evitavam-se, mas, quando se enfrentavam, o Belenzinho ficava em polvorosa".
Também é relevante 🌟 o fato de que alguns clubes eram formados por afinidades profissionais, como o União Operária, formado por carroceiros, oleiros e 🌟 barqueiros.
Ou formados, ainda, por nacionalidades, como o XX de Setembro, de italianos da Toscana.
Tem-se, inclusive, o misto dos dois: o 🌟 Portugal Marinhense, formado por portugueses vidreiros.
O trabalho de Ecléa Bosi, Memória e sociedade, recolhendo memórias de velhos que viveram a 🌟 partir do início do século XX, em São Paulo, ajuda a reconstruir o que foi o lazer e a prática 🌟 informal do futebol.
Nas "lembranças do sr.
Amadeu", nascido no Brás em 1906 e descendente de italianos, tendo o pai alfaiate e 🌟 a mãe costureira, este recorda-se de roleta dinheiro real infância, em que
"A rua não tinha calçada.
Elas ficavam à vontade naquelas ruas antigas.
Eram 🌟 ruas de lazer, porque não tinham movimento, e criança tinha demais.
Em São Paulo, nos terrenos baldios grandes, sempre se faziam 🌟 parques para a meninada.
Meus irmãos jogavam juntos futebol na rua.
Tínhamos um clube, formado por nós, chamado Celso Garcia".O sr.
Amadeu também 🌟 se lembra de que a região do parque Dom Pedro II foi a várzea do Carmo, espaço privilegiado para a 🌟 prática do futebol no início daquele século.Diz o sr.
Amadeu que "antes, o lugar era nosso campo de futebol, de um 🌟 clube chamado Torino".
O relato torna-se importante quando o sr.
Amadeu se lembra especificamente do futebol.
De forma significativa ele dimensiona, a seu 🌟 modo, o que foi esse esporte varzeano, além de revelar fatos que foram sedimentados na memória esportiva popular.
Assim narra o 🌟 futebol informal no seu tempo:
Comecei a jogar futebol com nove anos.
Naquele tempo tinha mais de mil campos de várzea.
Na Vila 🌟 Maria, no Canindé, na várzea do Glicério, cada um tinha mais ou menos cinquenta campos de futebol.
Penha, pode pôr cinquenta 🌟 campos, Barra Funda, Lapa, entre vinte e 25 campos.
.
.
[.
.
.
] Se nós vamos procurar na memória quantos jogadores da várzea 🌟 [.
.
.
] tinha mais de 10 mil jogadores.
Aquele tempo era uma coisa!.
.
.
Em cada bairro se fazia um campeonato.
Esse relato torna-se 🌟 ainda mais relevante, pois também não constrói uma rígida separação entre o futebol informal e o oficial.Para o sr.
Amadeu, o 🌟 divisor de águas no processo no qual os campos de várzea vão desaparecendo encontra-se no crescimento da cidade e na 🌟 construção de grandes estádios de futebol, como o Pacaembu, inaugurado em 1940.
Por isso, "o futebol já não é mais o 🌟 que foi para o meu povo".
E quanto ao futebol oficial, quando foi possível separá-lo do informal, o sr.
Amadeu não titubeia 🌟 ao afirmar que "havia o Botafogo da rua Paula Souza, que é o Corinthians de hoje [.
.
.
] [no Corinthians] estava 🌟 a massa: os pretos e os espanhóis [.
.
.
].
Não tinha preto naquele tempo no Palestra [.
.
.
].
Naquele tempo o Paulistano era o 🌟 clube da elite".
Até a primeira década deste século, a contribuição dos chamados historiadores e memorialistas do futebol na questão da 🌟 prática informal é pequena.
A preocupação desses autores recai sobre o futebol oficial.
Mas como essas práticas, em alguns momentos se confundiram, 🌟 a várzea tornou-se, mesmo de forma indireta, objeto de estudo.
Em uma biografia de Arthur Friedenreich, por exemplo, o autor constrói 🌟 uma análise para explicar por que esse jogador se destacou tanto dos demais.
Para João Máximo, apesar de o futebol no 🌟 início do século XX ser fortemente elitizado e apenas os "rapazes endinheirados" poderem praticá-lo de forma organizada, existia também o 🌟 futebol de várzea, praticado pelos mais pobres.
E Arthur Friedenreich foi uma espécie de síntese disso tudo.
Foi um pouco de elite, 🌟 foi um pouco de várzea e, ainda, um pouco de preto.
Era filho de alemão remediado com paulista pobre, de pele 🌟 escura; viveu quase toda a infância entre os meninos de rua e estudou nos melhores colégios de São Paulo, inclusive 🌟 no Mackenzie; veio do mundo nada aristocrático do bairro da Luz e muito cedo entrou para o Germânia, clube elegante 🌟 da colônia alemã.
Enfim, a gênese do poderio futebolístico brasileiro e do próprio Friedenreich encontrar-se-ia, em parte, na conjugação perfeita do 🌟 que foi o jogador conhecido como El Tigre.
Para Thomaz Mazzoni, no clássico História do futebol no Brasil: 1894-1945, considera que
O 🌟 pequeno futebol, os clubes de bairros nasceram quase ao mesmo tempo do chamado futebol da Chácara dos Ingleses, do Velódromo 🌟 e do Parque Antártica, onde começaram a tomar impulso os clubes principais.
A semente da popularidade futebolística brotou logo prodigiosamente.
O exemplo 🌟 dos estudantes e moços ricos do Mackenzie, Paulistano etc.
, não deixou indiferentes os rapazes operários dos bairros e daí surgiram 🌟 pequenos clubes em pouco tempo.
Mas, os seus primeiros tempos foram destruídos pela poeira do esquecimento.
Pequenina, aliás, foi essa árvore até, 🌟 mais ou menos 1908.
Foi então que se impôs a várzea.
Sim, a verdadeira história do nosso futebol dos bairros nasceu quando 🌟 os clubes acabaram se agrupando na Várzea, dando uma feição de campeonato aos seus encontros domingueiros [.
.
.
] no Carmo, o 🌟 futebol dos bairros passou a se desenvolver em todo e qualquer terreno desigual que apareceu na capital.
Infelizmente, é generalizada essa 🌟 análise.
Apesar de real, dificilmente se têm maiores informações do que foi a várzea em São Paulo nas duas primeiras décadas 🌟 do século passado.
A partir das características do futebol informal e do oficial na cidade de São Paulo até meados da 🌟 década de 1910, é possível se perceber a febre esportiva que a capital paulista viveu.
O futebol tornou-se uma importante forma 🌟 de lazer, marcada por fortes sinais de paixão e emoção.
Se o elitismo das entidades oficiais era fato nesse momento, a 🌟 prática do futebol não deixou de ser acessível a amplas parcelas da população, que iam ocupando os inúmeros terrenos vazios 🌟 da cidade.
Por outro lado, o futebol, seja oficial ou varzeano, ainda carecia de uma organização mais rígida.
A marca do amadorismo 🌟 e do semiprofissionalismo estavam presentes nesse esporte já tão popular.
E, fundamentalmente, tem-se, a partir do início da década de 1910, 🌟 uma pressão sobre as entidades oficiais, que insistem em manter isolados milhares de jogadores e algumas centenas de clubes que 🌟 se espalhavam pela cidade.
Ter-se-á tanto acesso de clubes "menores" nas entidades antes elitizadas, quanto dos clubes de elite, que passam 🌟 a aceitar jogadores vindos das classes populares.
Mas essas transformações foram lentas e não ocorreram sem a presença de conflitos e 🌟 contradições.
Por fim, ressalte-se que o fato de a população estar presente nas entidades oficiais, com seus jogadores e clubes, não 🌟 significou uma popularização radical do esporte bretão.
A organização do futebol nunca esteve nas mãos do povo.
É por isso que esse 🌟 esporte perdeu um ranço elitista, mas continuou desvinculado dos reais interesses populares.
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Plinio Labriola Negreiros Professor de História Estudo a História do Corinthians Paulista e do Futebol Professor 🌟 de História Estudo a História do Corinthians Paulista e do Futebol